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Cineasta, colunista, enfant
terrible, Theo van Gogh (1957-2004) pagou com a vida a crença que tinha de
viver numa sociedade em que a liberdade não era conceito vão, mas uma certeza
enraizada no mais fundo das instituições e das convicções, algo tão genuíno que
só um espírito doente o poria em dúvida.
O marroquino que o degolou, e lhe deixou cravada no peito
a faca a segurar uma mensagem de ódio, veio dar prova que a liberdade em que
Van Gogh acreditava era coisa do passado e muito na Holanda tinha já fundamentalmente
mudado. Ridicularizando o credo dos que ele chamava "fodilhões de cabras"
e, tal Sancho, ingenuamente pensando que lutava contra gigantes, Van Gogh não se
deu conta do poder do inimigo, da traição dos que com ele deviam ser
solidários, de como uma sociedade se espelha nos que a governam.
Pouco tempo depois do assassinato, o então burgomestre de
Amsterdam (felizmente o actual é doutra têmpera) foi de visita a uma mesquita, para
tomar chá com o imã e os fiéis, no propósito de
"acalmar os ânimos".
Acalmar os ânimos? Será possível descer mais baixo? Virar
tudo do avesso? Será que o medo e a cobardia dão cegueira? Que teremos de pedir
perdão a quem nos mata?