sexta-feira, setembro 30

É pena

 

Se o seu Francês não chega, tant pis, mas o caso é dos que vale a pena contar, porque fala de uma elegância e de um esprit que creio já não há.
Li-a séculos atrás num livro de que esqueci o título, mas onde se fazia a história minuciosa da Comédie Française.
Aconteceu no tempo de Marivaux.
O Dauphin perseguia uma actriz que, alegre e facilmente, o dava a colegas e cocheiros, mas insistia em recusar-lho. Irritado com a sobranceria, o príncipe espalhou primeiro uns boatos de que mademoiselle, embora bela e talentosa, não passava de uma vulgar péripatetitienne. E uma noite, quando ela apareceu no palco, gritou-lhe da loge royale:
- Quand?
Où? Combien?
La charmante personne foi pronta na repartie:
- Ce soir.
Chez toi. Pour rien.

 

quinta-feira, setembro 29

Doisneau, Stieglitz, Kudelka...

 

Sempre desejei saber desenhar, mas nunca pude ir além de rabiscos iguais aos que traçam os miúdos no primeiro dia de escola. Daí o ter procurado compensação na fotografia.
No decurso dos anos contam-se por milhares as fotografias que tirei, e uma ou outra paisagem pareceu-me que não desmerecia, de meia dúzia de retratos também não me envergonhava. Contudo, quando como hoje abro inadvertidamente um dos meus álbuns, só posso abanar a cabeça em descrença. Que falta de talento e de técnica. Que pena tanto dinheiro deitado fora.
Mas sonhar é de graça... Doisneau, Stieglitz, Bresson, Kudelka... e burro velho não toma andadura. Há sempre um aparelho mais avançado, uma lente que realiza milagres, um livro que promete o impossível: aprender o talento com que não se nasceu.

quarta-feira, setembro 28

Almoço dominical

 

Já passaram os rissóis de camarão, a alheira, a chouriça grelhada, a salada de polvo, a canja de galinha.
O vinho, um tinto caseiro com seis anos de adega, excede de longe o que dele se esperava. Com os filetes de pescada chega a notícia da morte súbita de uma prima idosa que vivia em França. Entremeando uma ou outra recordação, e comentários apropriadas à má nova, atacamos a vitela assada no forno.
A senhora da casa exagerou nas sobremesas: ele há pudim, sonhos, arroz doce, rabanadas (feitas especialmente para o conviva que gosta muito delas), salada de frutas, leite creme, pastéis de nata… Vem um Porto, fabricado numa quinta da Vilariça em 1995. Grande vinho.
E de novo se recorda a falecida, mas agora quase com ligeireza. Bebe-se mais um cálice. Fala-se da morte em geral e comenta-se que, tirando um, os sete restantes somos todos prováveis candidatos para, a breve prazo, fazermos a última viagem.
A propósito de mortes, o mais idoso dos presentes, noventa e cinco anos daqui a semanas, recorda umas quadras. Discute-se se serão do Aleixo. O mais novo quer saber quem é o Aleixo. Ninguém lhe responde.
O geronte anfitrião declama sentado:

Desde que o mundo é mundo,
Muita gente tem morrido.
Nem na Terra fazem falta,
Nem o Céu se tem enchido.

Ó Morte! Ó terrível Morte!
Eu de ti tenho mil queixas!
Quem deves levar, não levas.
Quem deves deixar, não deixas!