terça-feira, setembro 30

A fixação anal

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É de sobejo conhecida nos povos nórdicos em geral, e no povo alemão em particular, o fascínio da fixação anal. Freud estudou-a em minucioso detalhe, os seus seguidores não se cansam de nos falar das consequências e complicações do fenómeno que toma conta de nós por volta dos dois anos, e pode depois descambar nas mais complicadas neuras.
Giulia Enders, graciosa jovem de 24, que terminará em breve o estudo de Medicina, decidiu tratar o assunto de forma igualmente científica, mas limitando-se ao funcionamento dos intestinos. Sobre isso escreveu um curioso, inteligente e interessante livro, Darm mit Charme, título que com ligeireza se poderia traduzir por O Charme da Tripa. Aí trata ela os interessantes, importantes e complicados aspectos da maquinaria intestinal, dá conselhos sobre a melhor postura para a defecação, (*) assusta-nos dizendo que 1 grama de fezes contém mais bactérias do que Terra conta actualmente de habitantes, que os intestinos se renovam cada duas semanas e, last but not least, que os micro-organismos intestinais influenciam o nosso humor e o nosso apetite.
Muito mais conta a jovem no didáctico compêndio, de que até agora na Alemanha se venderam para cima de 750.000 exemplares.
……….
(*) Desde há uns anos, os folhetos incluídos nos medicamentos holandeses que duma ou doutra forma referem a descarga intestinal, levam em conta a ignorância, de modo que cada vez que lá está escrito  "ontlasten" = defecar, à cautela põem entre parêntesis "poepen" = cagar.

segunda-feira, setembro 29

Adultério

(Jesus e a mulher adúltera, Nicolas Poussin -1594-1665 - Clique)

Na passada sexta-feira, o acaso pôs-nos ambos na mesma sala de espera do hospital, os últimos da consulta, partilhando o aborrecimento da demora com gracejos sobre as doenças em geral e a fragilidade da existência.
Mulher no princípio dos quarenta, muito classe média no aspecto, no trato e no vocabulário, nada que me fizesse recordá-la ou reconhecê-la se por acaso a voltasse a ver.
Reconheceu-me ela à tarde na esplanada do hospital, onde me tinha sentado a tomar café e, sorrindo, pediu licença, porque todas as mesas à sombra estavam ocupadas e ela tinha uma alergia qualquer que obrigava a evitar o sol.
Ninguém pergunte a sequência da conversa, porque se me foi totalmente da memória, como não faço ideia do que em certo momento a levou dizer que vivia com um homem quinze anos mais velho e, estranho desabafo, era mãe de três filhos.
- De pais diferentes.
Sorri a mostrar compreensão, o resto veio numa catadupa de paciente na primeira visita ao psiquiatra, e eu, como se o fosse, ouvi calado.
-A minha vida foi sempre de chatices, tenho faro para arranjar brutos e más companhias. Com este estou há quatro anos. Já estava casado há uns vinte, mas a mulher deixou-o, e finalmente é o homem que me convém, estou com ele para sobreviver.
Sabe que ele há vinte e nove anos, vinte e nove! tem o mesmo emprego? O senhor é capaz de compreender? Eu não.Chega a casa, atira com os sapatos, cai no sofá. Do resto trato eu e trato bem. Às oito põe-se a ver as notícias e adormece. Mais insosso não deve haver, mas é fiel.
Uma vez apanhou-me com o meu amante. Um rapaz que me deitou a mão quando eu estava mesmo em baixo, durante mais dum ano foi quem pagou o meu aluguer. Não tenho gozo em ir com ele prá cama, porque é um bocado bruto e mandão, mas enfim, tenho ideia de que pago o que meu deu.
O meu homem ficou fulo, mas expliquei, e ele perdoou. Fecha os olhos. Compreende que quando lhe dou muitos beijinhos é porque venho do meu amante, mas não diz nada. Para não me perder até era capaz de aceitar mais.
É isso, sabe, precisamos um do outro: eu salvo-o da solidão, ele salva-me da pobreza.

domingo, setembro 28

Está resolvido


Está resolvido: Deus não existe. "A Humanidade está perto de saber tudo sobre tudo".
Nada me interessa se Stephen Hawking acredita ou não em Deus, e se amanhã, por milagre, Deus o curar da enfermidade que o apoquenta, não serei a apontar-lhe o dedo.
O que sempre me deixa de boca aberta é a arrogância de certas mentes brilhantes, o modo definitivo, seguro, e quanto a mim pouco científico, das afirmações que fazem.

sexta-feira, setembro 26

Mas que mulher!

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Antigamente seria caso raro, hoje em dia habituamo-nos a tanto que só de vez em quando algo nos causa espanto. Vitelos, têm de nascer com três cabeças, que de duas já vimos. Irmãos siameses, só se forem três juntos, porque colados dois a dois não é novidade. E assim por diante.
Vai para cinco anos que dela falei aqui, e pelas minhas contas ainda estava na prisão, mas não é que ontem a encontro à saída do prédio? E diria que desfeada e envelhecida pelo tempo à sombra? Não senhor! Mais bonita, ainda mais elegante e despachada, dos pés à cabeça vestida de cabedal.
Para me dar tempo a apreciar perguntei-lhe que extraordinário elmo era aquele que levava no braço.
- Um Schuberth SR 1.
Sorriu, não perguntei mais nem ela deu tempo, fazendo arrancar a sua nova paixão, uma Ducati Streetfighter 848.
 

quinta-feira, setembro 25

Parcerias

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Cada um sabe de si, fale cada um por si. Quem já viveu algum tempo recordará as ocasiões em que se tem de decidir se vai ser cara ou coroa, se se aceita ou recusa, que poucas vezes a escolha se compara à do final do poema de Robert Frost: "Two roads diverged in a wood, and I,I took the one less traveled by."
A vida só na aparência é de paz, ilude-nos com  intervalos de rotina para melhor nos pôr a espada ao peito, deixar à mercê do escalpelo do cirurgião, ou propor a corda bamba sabendo que é escasso o dom que temos do equilíbrio.
Há muito deixei de contar as vezes que enfrentei um dilema, mas ainda nenhuma me foi lição, antes deixou com o amargo de boca de que julgando mandar sou mandado, entro no jogo mas o baralho está nas mãos de um invisível e nem sempre bem intencionado parceiro.