terça-feira, dezembro 31

Nótulas (57)


Deve ter sido depois da agitação do Maio de 1968 em Paris que me dei conta de que o mundo  - o Terceiro Mundo e o resto – estava cheio de vítimas. Vítimas da pobreza, vítimas da sociedade, vítimas dos patrões, vítimas da exploração colonialista, vítimas disto, disso, daquilo, do resto e mais alguma coisa.
Há cerca de uma década para cá o número de vítimas no mundo inteiro não pára de explodir: não há bicho careto que dum ou doutro modo não seja, não se sinta, ou não queira ser vítima, desde os pretos que se querem entre os brancos, dos brancos que prefeririam ser pretos, das mulheres que sofrem por não ser homens ou por terem de continuar a ser mulheres, e os homens idem, depois as vítimas das alterações climáticas, os que se sentem vítimas porque são jovens ou porque são anciãos, ou porque os aflige que haja no mundo quem coma carne e ainda não se possa obrigar o próximo a viver de verduras. E assim por diante num crescer que não pára.
O gosto de ser vítima, não importa por que motivo real ou imaginado, não vai mudar tão cedo, pela simples razão que é chique, dá status e, melhor ainda, é prova de lutar do lado bom da barricada.
Pobre de mim e daqueles que mesmo esforçando-se não conseguimos subir a esse patamar, porque equivale a estarmos fora do verdadeiro mundo.

segunda-feira, dezembro 30

Nótulas (56)


Falta dia e meio para que 2019 termine, não é questão de que venha eu aqui e agora arrumar contas ou fazer balanços, simplesmente anoto que foi para mim um ano de paz e bem-estar, consciência sossegada, com vagar e disposição para olhar serenamente à minha volta, dizendo-me que o mundo talvez tivesse conserto se os homens fossem realmente de paz e boa vontade. Talvez. Mas o mais provável é que não haja verdadeiro interesse em consertar o mundo, e escasseiam os que vêem mais longe do que o próprio nariz e o proveito da sua algibeira.

domingo, dezembro 29

Nótulas (55)




Com o ano a chegar ao fim lá vem o ritual dos “melhores livros” que as pessoas importantes leram e, digo-o sem ironia nem malícia, sempre me causa espanto a alta qualidade das listas e não escapo a uma grossa ponta de inveja, pois aquilo são títulos de que nunca ouvi falar, ou então obras de tão elevado gabarito que só poucos lhe conseguem meter os dentes.
Para meu mal, nada do que este ano li entra nos “melhores livros”, se bem me lembro foi um ano de leituras repetidas e cubro com o manto de misericórdia aqueles livros anunciados como “ obra superior, espectacular” e de que depois tenho pena de não ter dado a uma obra de caridade os euros que me custaram.