Deve ter sido depois da agitação
do Maio de 1968 em Paris que me dei conta de que o mundo - o Terceiro Mundo e o resto – estava cheio de
vítimas. Vítimas da pobreza, vítimas da sociedade, vítimas dos patrões, vítimas
da exploração colonialista, vítimas disto, disso, daquilo, do resto e mais alguma
coisa.
Há cerca de uma década para cá o
número de vítimas no mundo inteiro não pára de explodir: não há bicho careto
que dum ou doutro modo não seja, não se sinta, ou não queira ser vítima, desde
os pretos que se querem entre os brancos, dos brancos que prefeririam ser
pretos, das mulheres que sofrem por não ser homens ou por terem de continuar a
ser mulheres, e os homens idem, depois as vítimas das alterações climáticas, os
que se sentem vítimas porque são jovens ou porque são anciãos, ou porque os
aflige que haja no mundo quem coma carne e ainda não se possa obrigar o próximo
a viver de verduras. E assim por diante num crescer que não pára.
O gosto de ser vítima, não
importa por que motivo real ou imaginado, não vai mudar tão cedo, pela simples
razão que é chique, dá status e, melhor ainda, é prova de lutar do lado bom
da barricada.
Pobre de mim e daqueles que
mesmo esforçando-se não conseguimos subir a esse patamar, porque equivale a
estarmos fora do verdadeiro mundo.