segunda-feira, maio 27

Dois cus, tango e manteiga

Seria cruel desenhar-lhe o físico, ou descrever os tiques. Baste notar que é do tipo stalker, há anos que num ou outro evento avança direito a mim, o sorriso pronto, a câmara ao jeito de pistola.
Apertada a mão, vai direito ao assunto, espera que me pasme, ou pelo menos sorria.
Desta vez foi a sua mítica viagem pela Europa em 1970. Terá dito 72, 69? Oiço mal, a gente é  sempre muita, grande o barulho, por menos se me escapa a atenção. Mas pouco importa.
Conta ele que, chegado a Amsterdam, logo se lhe abriu a boca. E não foi pelos canais, nem pelas jovens esbeltas, loiras, despachadas, ou pela insegurança de se saber metros abaixo do nível do mar. Foi, sim, por um cartaz na frontaria de um cinema, reclame para o então muito discutido filme The Canterbury Tales.
- Era gigantesco. O nome da fita em letra pequena e dois cus muito grandes, mas mesmo muito grandes, enormes, virados para a rua! Por cá nunca se via aquilo. Ainda estávamos muito atrasados.
Depois fui pra Paris.Por causa do Marlon Brando no Último Tango em Paris.Cá não se podia. Viu?
- Sim.
- Então já sabe, mas pra mim foi novidade. Não é que a manteiga não se usa só pra barrar o pão? Está-me a compreender?
Seguro da minha resposta, virou as costas, foi apontar a câmara a outro. 

terça-feira, maio 21

Dois momentos

 
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Os bolinhos de bacalhau abriram o almoço e estavam uma delícia.
A ele, muar possante, conheço-o vai em onze ou doze anos, e mantém o hábito: quando me sente vem espreitar.

domingo, maio 19

Ainda nos cueiros

Duas ou três semanas atrás, na “2”, a revista do Público, um entrevistado cujo nome esqueci, mas comunista e homem que passou por Marrocos antes do 25 de Abril, referia-se a Henrique Galvão como um tonto, e a Humberto Delgado como homem de planos absurdos, o desatinado ingénuo que “depois de fazer a revolução de Beja, foi passear a Lisboa”.
A biografia de ambos estes heróis está por fazer e irá demorar, temo que se o autor delas já nasceu ainda ande de cueiros, o que, pela idade que tenho, me vai tirar o gozo de lê-la.
Todavia, vão aparecendo pequeninas achegas, e a ocasião virá em que os heróis da vitória sobre o Fascimo serão reduzidos à sua verdadeira estatura, ficando a descoberto os podres do tão festejado acontecimento.
A televisão holandesa, no programa “Andere Tijden” (Outros tempos) relatou há dias um detalhe,  referido e explicado aqui:
http://revolucaoedemocracia.blogspot.pt/2013/05/o-financiamento-da-cia-ao-ps-documento.html   

quarta-feira, maio 15

Roam-se

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A cabeça não basta. Nem as leituras. Menos ainda aqueles anos gastos a estudar ciência da literatura e os meses perdidos em "oficinas" de escrita criativa. Tarimba em vida airada ajuda um bocadinho, mas é preciso mais. Conhecer o que faz babar novos e velhos possuidores de um quociente intelectual que leva a crer em extraterrestres, paixões súbitas, amores eternos, uma vida inteira de cópulas orgásticas, permanentes férias. Depois jurar que a sua vida é assim, e um matrimónio exemplarmente "aberto" como o seu permite "tudo isto e o céu também", uma vida de eterna festa.
Ter 1965 como ano de nascença pode ser tropeço, mas que não obste: há sempre à mão um fotógrafo competente.
Roam-se de inveja, meninas candidatas a escritora: Heleen van Rooyen já vendeu para cima de milhão e meio de livros, vive em luxo algarvio e num corrupio de festas e sucessos.
Porém, de nada adianta invejá-la, sonhar: é indispensável ter descaro, e sobretudo as "curvas", pois a "literatura" há muito deixou de ser o que parecia, é um produto como o detergente e, como ele, tem marca, vende-se no supermercado. Infelizmente é produto que não lava, nem eleva.

domingo, maio 12

Em Moncorvo

Esta semana foi de silêncio, mas sem preguiça, antes de alguma canseira, a mostrar o Nordeste transmontano ao neto que, holandês, dezasseis anos feitos, chegou à idade em que a sério, de homem para homem, se fala da vida, da família, das coisas do passado e desta terra  com gentes, hábitos, modos e paisagens tão diferentes daquela em que nasceu e vive .
Acabámos a ronda em terras de Moncorvo.
Pela mão amiga de Nelson Campos, subimos à torre da igreja a ver a misteriosa figueira e, mais acima ainda, ao telhado. Ali se erguia em tempo remoto a cúpula que as intempéries e o descuido fizeram derruir, e ele com talento nos desenhou.
Lá do alto fotografámos a rua onde, em viagem por estas bandas, Sarah Langton e Jorge Ferreira se hospedaram. Depois, seguindo-lhes o exemplo, fomo-nos ali a dois passos almoçar ao Carró.
 
 
 

 
 
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terça-feira, maio 7

Infelizes


A ideia que tenho é de que foi no último Verão , uma daquelas notícias de jornal que se lêem com o  olhar vago, mas de qualquer maneira, talvez pelo absurdo, o exótico, o inesperado, ficam penduradas na memória.
Tratava-se dum inquérito em que cientistas de várias ciências tinham medido o grau de contentamento dos povos europeus, e nele surgiam os holandeses como os mais felizes. Nós, mau grado o sol e outras benesses, fechávamos o pelotão dos infelizes e descontentes.
Porque me entristeceu o resultado dessa investigação científica, grande foi o júbilo que senti ao ler uma entrevista no Financial Times, onde uma Claudia Senik (48), catedrática e cientista, explicava as razões que empurram os franceses a colocar-se entre os europeus mais infelizes.
Segundo ela deve-se isso à extrema exigência do sistema escolar francês, no qual só raros conseguem brilhar. Daí resulta que os adolescentes criam complexos de inferioridade, e  uma vez adultos é neles quase nula a autoestima e a autoconfiança. A catedrática terminava  afirmando que os franceses devem ser menos exigentes consigo próprios.
Um jornalista holandês, referindo a mesma entrevista, assinalava que "os holandeses são felizes porque facilmente correspondem à expectativa que de si próprios têm, cujo nível é baixo. Numa escala de zero a dez, contenta-os um seis; se numa corrida não vencem a medalha de ouro, mas a de bronze, já acham bastante."
De modo que talvez os holandeses ganhem se passarem a sentir-se infelizes, exigindo mais de si próprios. Por sua vez nós, os húngaros, os franceses, e outros europeus sombrios, devemos moderar a ambição, correr menos atrás de quimeras.
Aqui chegado, não me surpreenderei se no remanso do Verão ler no jornal que as conclusões do inquérito estavam erradas e, com gráficos e listas, outra sabichona vier determinar os porquês da nossa alegria e da nossa infelicidade.

domingo, maio 5

Rapinagem

 
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A comida é para os gatos, que sem contar os hóspedes são agora oito, mas andam a abarrotar, não lhes faz mossa a ladroeira destes.
Em gatos e gente, a barriga cheia enfraquece o instinto. Políticos e banqueiros não são gatos, mas parece improvável que sejam gente.

sábado, maio 4

Profecias

São mostras de simpatia para quem as dá, aquele que as recebe agradece, e ao mesmo tempo finge que não sente o aperto do coração.
A um amigo, adiantado em anos, que no alpendre guardava carradas de lenha bastante para manter acesa a lareira durante anos, no dia em que encomendou mais, o fornecedor mediu com o olhar o monte de toros que já ali havia, encarou-lhe as rugas e, sem malícia, fez a profecia:
- Tenho a certeza que não a gasta toda.
Quase o mesmo ouvi eu, quando fui buscar uns cartões que tinha encomendado, para não estar sempre a escrevinhar o endereço de e-mail e os números dos vários telefones.
Insistindo que verificasse se tudo estava como devia ser, o mais que simpático e competente tipógrafo esclareceu, encarando ele também as minhas rugas e o estrago dos anos:
- O senhor encomendou duzentos, mas não vai precisar de tantos. Fiz cento e cinquenta. Acho que chegam.
Foi cuidado, foi carinho, e agora aqui estou eu, supersticioso desde o berço, a dizer-me que cada vez que alguém me leva um cartão me leva um dia de vida, uma semana, um mês, porque cento e cinquenta anos não vou durar.

quinta-feira, maio 2

Rua de Gaia

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A vizinhança onde nasci, cena que vezes sem conta presenciei e ainda me comove, fazendo o milagre de me tornar menino.

(Fotografia de E. Biel, Colecção A.A. Ferreira, retirada do livro Dona Antónia, de Maria Luísa Nicolau de Almeida de Olazabal e Gaspar Martins Pereira, 1996)

quarta-feira, maio 1

1 de Maio

Difícil de ultrapassar em cinismo, tristeza e absurdo: o feriado do Dia do Trabalho, num mundo de desemprego.