sábado, outubro 31

Assim se perdiam os três

"Na Pousada de  São Bento tinham parado para uma cerveja, a paisagem,  e preparar Sarah para o que ia ver. De facto, ao chegarem à propriedade do doutor Castro, perto de Campo do Gerês, de novo acordou nela a vontade de filmar.

A casa, rés-do-chão e primeiro andar, era de boa medida, airosa, a varanda enfrentava uma vista a pedir cenas dramáticas e grandes planos, rostos apaixonados, corais de Wagner. A luminosidade realçava os contrastes, nesta encosta o sol a bater em cheio, aquela mergulhada em sombra. Era tudo ou nada, luz ou escuro, o meio termo não cabia ali.

O anfitrião, pequena estatura, oitenta e tal anos, olhos espertos, corado, ainda robusto, na mão uma bengala a que não se apoiava -  "É prà apontar, e pra bater nos cães e nas raparigas, quando merecem ", explicaria rindo -  tinha vindo recebê-los, dando grandes mostras de ternura  por Jorge. A ela, com cortesia antiga, fizera uma pequena vénia e beijara a mão.

Entre autoritário e risonho impediu-os de pegar nas malas, a empurrá-los para a entrada  - "As raparigas tratam disso!" - fugissem do sol, dentro de casa estava fresquinho.

As "raparigas", duas sessentonas joviais e despachadas, abraçavam Jorge, achando-o mais forte do que da última vez, mais bonito e, cochichando:

- É namorada?

- Não, só amiga.

As malas levavam-nas elas, não se incomodasse, vendo o patrão longe, a rir com a estranha, fizeram-se ronceiras, queriam saber.

Se a menina era estrangeira, e quantos anos, de certeza conheciam-se há muito, solteira não parecia, se calhar divorciada. Ou casada, seu maroto.

Jorge tinha de rir, aquilo não era interrogatório, mas metralha de curiosidade, nunca se punham assim quando vinha sozinho.

- Ficam no seu quarto, que é o melhor.

- Não, Teresa. Separados. Dá o meu quarto à senhora, eu durmo no outro.

- Boa te vai!

Às gargalhadas, que não podia ser, pra que estava a fingir? A trabalheira de fazer duas camas, arrumar dois quartos, pra quando toda a gente estivesse a dormir ficarem juntinhos no quente.

- Era o que faltava! Deixe-se disso, menino Jorge. O doutor está cada vez mais surdo, não ouve nada, e o nosso quarto é no rés-do-chão.

Também para elas "menino Jorge", a recordar gracejos, uma piscadela, as "maldades" que uma e outra lhe tinham feito.

Ambas no vigor da mocidade, e sem homem, ele adolescente, rondando-as, chegando-se, entontecido pelos calores, a fragrância daqueles corpos robustos, o almíscar de suor, cio, trabalho do campo e fumo da lareira.

Teresa, alma doce, tímida, secreta, toda carinho, precisava namoro, folguedo, correrias, dava-se com suspiros no chão da adega, na caminha de virgem pecadora quando estavam sós em casa.

Rita, força da natureza, tinha sido a primeira Arrebatara-o ao apalpar-lhe o tesão e, preso pelo braço, mordendo-o de beijos, fora-o empurrando para a eira, detrás do espigueiro. Antes de dar conta estava nu, ela de costas no folhelho, pernas abertas, seios inchados, fremindo das ancas, perdida de gozo, esgadunhando-lhe as nádegas a puxá-lo para dentro de si.

Rosnando, os olhos a rebolar. Que não parasse, não parasse, não parasse. E quando se veio, mais do que de prazer, o grito do seu orgasmo foi brado de vitória, urro animal, o orgulho de ter tirado os três ao menino. Sempre era outra coisa do que ser montada pelo Abílio Faísca, que apontava o galinheiro com o queixo, e de pé, contra o muro, mal lhe dava tempo de levantar a saia."

 

In Mentiras e Diamantes – Quetzal, 2013

sexta-feira, outubro 30

O reizinho




 O reizinho de O. Soglow - famoso no seu tempo, pergunta ao avô.


quinta-feira, outubro 29

Efeméride

Ao longo dos treze anos que o mantenho este blog tem-me sido útil de várias maneiras, sendo a de válvula de escape, se não a mais útil por certo uma das principais. Em primeiro lugar, contudo, está a alegria e também a perplexidade de ver realizado um sonho de criança, o de ter o meu próprio "jornal", o que nas horas de bom senso me parecia tão estapafúrdio como sonhar com o poder da levitação ou da ubiquidade.

Embora até à data esses me tenham sido negados, encontro satisfação bastante no que aqui vou deixando e, lisonjeiras ou não, nas reacções de quem por vezes o lê.

Por volta do segundo ano surpreendeu-me que tivesse uns duzentos seguidores, o que faria rir Kim Kardashian, mas me pareceu mais que honroso. Não recordo quanto tempo demorou a chegar aos trezentos, mas foi nessa altura que me pareceu simpático assinalar a efeméride, oferecendo um livro ao seguidor que fizesse a centena, o que desde então tem acontecido.

Ontem à noite completaram-se setecentos, e ao para mim desconhecido Vladimiro Mousinho basta enviar um endereço postal para jrentes@xs4all.nl e receberá o livro pelo correio.

quarta-feira, outubro 28

Hitler reincarnou (1)

Adolf Hitler está aí, mostra que estudou e refletiu, chega bem preparado, agora quer mais, melhor, o topo da eficiência. Não se vai contentar com uma nação como da vez anterior, quer o mundo inteiro, e se não sonha com mais é porque ainda não há maneira de sair do planeta.

Estudou Cristo e Maomé, mas com ele não haverá sermões aos pescadores nem conversa amena junto da tenda com os nómadas do deserto. Aos métodos da Inquisição deu uma vista de olhos, mas logo passou a Estaline e a Mao Tse Tung, depois do que analisou a sua própria intervenção na Alemanha, submetendo-se a uma severa autocrítica, concluindo que além de ter sido moderado na ambição os seus planos se mostraram caros, ineficientes e desastrosos, razões de sobra para uma abordagem bem estudada e original.

Em parte nenhuma o verão ou se lhe ouvirá o nome, a idade, onde nasceu, nem de que pais, como também não vai repetir a patetice do braço estendido, da suástica nas bandeiras, do passo de ganso nas paradas. Estará presente em tudo e em todos os recantos, mas refinou de tal modo a arte de delegar que será uma sombra, ninguém lhe apontará o dedo.

Nas raras vezes em que nisso pensa lamenta a ineficiência de algumas das medidas que tomou durante a reincarnação anterior (1889-1945), certo e seguro que tal não voltará a acontecer, como também não cometerá o erro grosseiro de querer eliminar um povo, quando a ambição de um tirano digno desse nome exige outra escala. Ninguém voltará a ver campos de concentração, medida que além de cara e ineficaz continua a macular o seu nome, quando está provado que basta o medo e a carneirada vai pelo seu pé direitinha para onde lhe mandarem e de lá não arreda. Outra bacoquice de que se arrepende, a de ter obrigado os judeus a usar uma estrela amarela, agora que está provado que no rebanho as ovelhas nem precisam de ukase para se diferenciar, elas próprias se alegram com a distinção da máscara.

Do que Adolf Hitler nesta sua reincarnação superiormente se orgulha e regozija é da aplicação que soube dar ao medo e da eficiência da estratégia. Não tem que fazer despesas com instalações de exterminação caras, ineficientes, e de má fama: diga-se-lhes que o vírus anda por aí à solta e os que não morrerem da infecção morrerão de medo e mais depressa ainda das doenças não tratadas e das consequências da grande miséria que a todos espera.

PS. A propósito de miséria parece que nos corredores da União Europeia nem tudo é paz e sossego. A perspectiva de os "repugnantes" terem de apertar mais o cinto do que em Março passado estava previsto, e o facto dos respectivos cidadãos olharem com azedume para ideia de sofrerem maiores impostos para pagarem a corrupção e a bandalheira, põe em risco a generosidade forçada. O dedo já não está no gatilho da "bazuca" e aquele a quem com razão alcunharam o "Manhoso" tem razões de sobra para noites em branco.

 

terça-feira, outubro 27

"A Morte da Competência"

Comecei a lê-lo há-de haver ano e meio, mas recordando as minhas décadas a pregar aos peixes na Universidade de Amsterdam, e a fintar a pulhice de alguns colegas, parei no final do capítulo intitulado "Ensino superior: o cliente tem sempre razão", dando graças à reforma que a tempo me tirou do que já era um purgatório, mas longe do inferno em que se tornou. Li-o agora do princípio ao fim. Chapeau! Tom Nichols.


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