terça-feira, fevereiro 27

Mandões

 

Podiam ser uma firma, porque fazem um bocado de construção, de carpintaria, de canos e retretes, desentopem isto, endireitam aquilo, sabem de telhados. Parecem uma empresa, mas são um bando, e assim procedem, com a bruteza arrogante de quem não aprendeu a arte, só  tem algum jeito e aquele modo do zarolho em terra de cegos.

Mas como mesmo nos confins o mercado tem as suas leis, quando se trata de arranjar biscate ou empreitada o bando verga-se nos salamaleques, mostra-se compincha, sorri, é todo acomodações, facilidades, promessas.

Uma vez apalavrado o serviço, cai a máscara. Acautele-se o mandante antes que se lhe despenhe algum caibro na cabeça, não venha ele com queixas de obra mal feita ou sugestões de boa razão, porque aí, antes de passar às ameaças, dispara-lhe o bando uma artilharia de “merdas” e “caralhos”.

Na taberna, à noite, encharcados de vinho e igualdade social, dão murros no balcão, rememoram vitórias,  não se cansam de repetir que "pensem eles o que pensarem, hoje quem manda é o povo, caralho, somos nós!"

 

 

domingo, fevereiro 25

Sujar as mãos

 

Foi grande e genuíno o interesse que, ainda miúdo, me levou a ser fanático leitor de jornais e romances, então as únicas fontes de que dispunha, para saciar a desmesurada curiosidade de compreender o mundo, o passado, o que me rodeava, a sociedade em que vivia.

Por boa sorte, condições de vida, razoável estado da cabeça, tronco, e membros, ser-me-ia possível, fosse essa a disposição, manter a curiosidade antes citada, se bem que com os ajustes inevitáveis num percurso de nove décadas.

Todavia o transtorno, se assim lhe posso chamar, não vem porque me falte curiosidade ou interesse pela vida e o que acontece, antes o sinto derivado da ingénua crença de haver bons e maus, voluntariamente fechando os olhos, pondo de lado a sabedoria do nem tudo o que reluz é ouro.

Em consequência, e ao contrário da minha esperança, quanto mais leio, estudo, vejo e oiço, mais se me baralha o entendimento, cresce em mim a suspeita e o medo, a dúvida, a insegurança.

Aos poucos tenho vindo a descobrir que para continuar no caminho certo – aquele da Liberdade, Igualdade, Fraternidade  - se me torna em excesso pesada a canseira de escolher lado, ouvir comentários, analisar opiniões, ter paciência com os que se mostram eficazes em branquear o que, aos meus olhos e de tantos, é preto retinto.

Desse modo, a notícia dos agricultores se revoltarem contra os pachás da UE, recebi-a eu com um mixto de entusiasmo infantil e melancolia da velhice. Porque muito terá de mudar. As Excelências entendem de imposições, de proibições, multas e taxas, mas arregaçar as mangas e sujar as mãos não é com eles. Como também não se lhes dá que os seus ridículos ukazes levem à miséria e ao sofrimento, ao desespero.

A mim resta a sincera pena de que não irei testemunhar a mudança.

 

sábado, fevereiro 24

Palhaços

 

"Portugal tem contribuído galhardamente para a transformação do debate político em luta livre sem conteúdo político. Só com adjectivos e sem discussão relevante. Elevação e respeito pelo eleitorado são géneros raros na caixa de ferramentas dos candidatos. É só minas e armadilhas." Aqui

 

 

 

terça-feira, fevereiro 20

Tantos séculos

 

A pergunta data provavelmente dos netos de Adão, mas esses não dispunham das possibilidades publicitárias do Novo Testamento, e assim nos encostamos a Pilatos quando, com ênfase, queremos saber o que é a verdade.

Com a nossa e a alheia se confecciona a História, o curioso refogado de factos, mentiras e aparências que, segundo o interesse dominante, levianamente muda de sabor e colorido.

Por isso te digo que é tempo de leres ou releres a "História de Portugal" e o "Portugal Contemporâneo", de Oliveira Martins, e te admirares, como eu em permanência me admiro, que desde há tantos séculos sejam diminutas as mudanças de atitude do bom povo português em relação à res publica e aos pulhas que a tratam como coisa sua.