Seja em Tóquio, Florença, Arco
de Baúlhe, Pamplona, num oásis do Saara ou Madagáscar, a generalidade das
pessoas vive sob um constante bombardeamento de noticiários, o que directa e
indirectamente influi nas suas emoções, no seu comportamento, na maneira como
se relacionam, e as leva a ter opinião sobre o que acontece no mundo, seja ele
uma crise política, um escândalo financeiro, um casamento real, a morte de uma
celebridade, e assim por diante. Mesmo os distraídos não escapam a essa universal
influência, mas de um caso sei eu do qual se pode dizer que é das muito raras
excepções à regra.
Duas vezes casado, outras tantas
divorciado, com uma vaga ideia do que fazem os filhos e quantos são os netos, o
Teófilo Quadrazais, este ano a findar os cinquenta, tem desde que se conhece um
único interesse que de facto é também a sua paixão: o comércio de areias e
cascalho.Não lhe falem de políticas,
guerras, incêndios, da carestia, da tragédia de Fulano ou da doença de Sicrano,
porque não é de cortesias nem se dá ao trabalho das aparências, simplesmente encolhe
os ombros ou vira as costas, a significar que para ele o assunto não aquenta
nem arrefenta.
Todavia, mesmo um monomaníaco
indiferente ao mundo e obcecado pelo negócio não escapa às travessuras do
Destino, foi assim que semanas atrás, enquanto no café esperava o
empreiteiro, abriu distraidamente o jornal, caíram-lhe os olhos na
notícia de que um cantor está a ser acusado de há trinta ou quarenta anos ter
deixado escorregar as mãos numa e noutra parte de certas damas, tê-las
empurrado para a cama e aí fazer o que os humanos fazem desde Adão e Eva.
- Quarenta anos? As gajas
estiveram esse tempo todo à espera para se queixar?
Mostrava o jornal para que os
outros também se espantassem, mas desinteressados eles nem sequer olhavam, o Pires
do Millennium na mesa ao lado é que o repreendeu, era no que dava estar sempre enterrado
na pedreira. Então não sabia que elas cada vez ganham mais poder e nos
tribunais lhes dão sempre razão?
Resmungou que sim, claro que
sabia que as mulheres agora fazem logo queixa e é preciso cautela, já não se pode dar um empurrão ou um
par de bofetadas. Mas casos de há quarenta anos!
- Que raio querem as velhotas?
Que ele lhes pague os três vinténs?
O Simões acenou-lhe que
acalmasse, e ele próprio, chegando a cadeira mais perto, baixou a voz: - Isto
hoje, amigo, não há que confiar. Eu no banco nem sorrisos nem cumprimentos, é só
bom-dia boa-tarde e que se … Estás a compreender?