Deixe que lhe diga a minha
estranheza pelo seu anseio de polémicas. Os tempos vão de guerras, de
crueldades, mas isso acontece longe e entre povos desatinados, incapazes de
resolver querelas seculares acerca da família do Profeta ou por questões de
poderio.
Nós, gente de sensata cobardia, usamos a capa dos brandos costumes, já nos
parece demais uma zanga no estacionamento ou um olhar vesgo no supermercado.
Fôssemos nós abertamente maus, que não somos, nem conseguimos sê-lo, mas também não nos podemos dizer bons. O nosso drama é sermos bonzinhos, gentilmente viscosos e escorregadios como pele de enguia, netos em linha directa de Janus, o das duas caras.
E com a gente que somos deseja você duelos de florete? Levantou-se em tempos a fábula das mocas de Rio Maior, ficção semelhante à que Camilo tinha escrito, de valentões armados de estadulhos a varrer as feiras de Lanhoso e do Arco de Baúlhe. Pauladas e catanadas não é connosco, e quando por acaso é vamos para um longe onde não nos conheçam, como em tempo remoto fizemos em África e no Oriente.
Se uma ou outra imitação de duelo por aí acontece, é em ambiente perfumado, as mãos enluvadas de camurça a esgrimir penas de pavão. "Coisas de gaja", como recentemente aprendi a dizer, interessante frase que me leva a referir a palavra "garbo" que você elegantemente usou.
Estava ela tão fundo entre as ferramentas do meu artesanato, que num primeiro impulso quase abri o dicionário. Porque, convenhamos: há quantos séculos deixou de haver garbo, se é que alguma vez o houve entre nós, fora da lírica de Camões?