sexta-feira, fevereiro 26
quarta-feira, fevereiro 24
A liberdade tem um preço
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"Não, o Alentejo não é a minha terra prometida.
Resta-me, portanto, reconhecer que o sentimento de pertença é o meu ângulo
morto. Sou rafeiro, mestiço, bastardo, não uma bastardo de sangue, mas um
bastardo de solo. Não sou alentejano e os bairros onde cresci à volta de Lisboa
tornaram-se-me estranhos; quando lá volto, sinto que entro num filme cujos
diálogos já não conheço; tento representar o papel que me é devido por respeito
aos meus pais.
A cidade onde vivo, Lisboa, também não é minha, serei
sempre um estrangeiro na corte. É um sentimento estranho, quase fantasmagórico,
mas é no Porto que me sinto em casa; é com as pessoas do norte que estabeleço
uma empatia imediata, epidérmica, visceral. Então porque não mudar a minha vida
para o Porto, Braga ou Aveiro? Seria mais um esforço patético e sentimental. Se
não posso ser o filho pródigo do sul, também não vou ser o cristão-novo do
norte. Não tenho nem terei terra. Não pertenço.
A migração familiar que nos fez sair da miséria e que me
permitiu desafiar as leis de ferro da minha avó e dos Espírito Santo, é também
a causa deste vazio. A liberdade tem um preço."
…………..
in Alentejo Prometido, de Henrique Raposo – Fundação Francisco Manuel
dos Santos.
domingo, fevereiro 21
No arquivo
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Mexi numa pasta de arquivo, não encontrei o que procurava,
mas já que tinha as mãos na massa fui lendo, folheando, dei-me à pachorra de
ouvir conversas gravadas em cassettes há mais de trinta anos, pasmar para
fotografias desbotadas, ler correspondência que avivou amizades antigas.
Durante um bom bocado retornei aos meus cinquenta anos,
revivi aborrecimentos e alegrias, confrontei gente que desde então safara da
memória: Salvatore B., o quarentão distinto que diziam assassino a soldo;
Miguel T., sertanejo umas vezes, noutros dias carioca, vivendo de expedientes
em Lausanne; Francine, a belga que tudo sabia sobre os azulejos da Viúva Lamego;
o senhor Mateus que viera à Holanda comprar vacas leiteiras, mas descobrira o Yab Yum e
adiava o regresso; Peter M., mitómano que se dizia ucraniano e nobre, mas era
apenas grego e porteiro.
Revi-os a eles, recordei como eu então era e fechei a
pasta com alguma pena das ocasiões que não tive, do que passou, das horas que
perdi.
quinta-feira, fevereiro 18
terça-feira, fevereiro 16
domingo, fevereiro 14
De Pilsener Club
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Pode ser da chuva, que há dias cai com um cinzento da Lapónia, misturada com o que aqui se chama natte sneeuw (neve molhada), um fenómeno mais capaz de criar sombras na alma do que o nevoeiro cerrado. Pode ser ainda que seja desta minha inata insatisfação que, por ter sonhado muito, me leva a esquecer os momentos felizes e a aumentar o desgosto que causam as miudezas do dia-a-dia.
Também se dá o caso que, ultimamente, não tenho
correspondido às amizades com a benevolência de espírito que nos torna companhia
agradável.
Ando azedo. Sugeri atrás que a chuva pode ter a ver com o meu estado
de alma, mas no fundo sei que assim não é, reconheço de sobra que o aborrecimento
me vem mais das situações em que não posso ser franco, gasto tempo a rendilhar
frases, quando a minha vontade seria dizer a verdade nua e crua.
É facto, ando azedo, sinto-me hipócrita, e esta neve molha
mais do que a chuva. Que saudade tenho de quando, em tardes assim, corria para
o De Pilsener Club e lá ficava até que
a genebra e a companhia aclarassem o céu e a minha alma.
sexta-feira, fevereiro 12
Writer's block
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O enredo que imaginou é mais ou menos assim: ela odeia a mãe. A ele calhou de repente uma herança. O terceiro personagem, sem razão clara de donde lhe vem o ódio, tem ideia de que há-de matar um deles, talvez ambos.
Ao acordar, o jovem escritor, "viu" claramente
as cenas, "ouviu" os diálogos e, como em transe, escreveu de um jacto:
"Sinto-me como
se fosse eu o alvo preferido de não sei que poder oculto ou, tal um escravo, me
tivessem posto à sujeição de vontades alheias, que dispõem de mim e me forçam a
proceder de um modo na aparência lógico, razoável, mas que na prática se mostra
insensato.
Por certo vem daí a
insegurança de que não consigo libertar-me, a hesitação em agir, o receio de
que, por princípio, qualquer iniciativa que tome seja desatinada ou contraproducente.
Marca-me também o
ser filho de pai incógnito e mãe solteira, ferrete de que não me livro, embora
tenha deixado de ser o vexame que nalgumas alturas me levou a compreender como
é fácil perder o juízo e dar um passo irremediável.
Numa salvei-me por
um triz, noutra acudiram-me, desde então olho com pena para o rapaz que
fui, os medos que demorei a vencer, as ocasiões que perdi".
Parou aqui, ignora quantas vezes o releu, pergunta-se que
mistério será o ter livro na cabeça há tanto tempo e ser incapaz de o passar ao
papel.
quinta-feira, fevereiro 11
Selos
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Parece que existe há dois ou três anos, talvez mais, mas para mim ontem foi novidade: recebi uma carta e, para meu grande pasmo – primeiro julguei que fosse brincadeira – o selo mostrava o rosto de um amigo que, sei-o desde que o conheço, é pessoa que em nada se distingue na cinzenta maioria que somos. Mas então com cara num selo? Mas então o selo dos correios não era para homenagear reis, heróis, prémios Nobel, proezas altas como os Descobrimentos? Era, já não é. Por € 9.95, e colocando a sua ou outra cara no programa adequado, Post.nl , os correios neerlandeses mandam-lhe de volta 10 selos válidos para franquear cartas.
E eu que, miúdo, me pasmava de ver selos com a figura de
Vasco da Gama, de Camões, de Pasteur! Onde vai isso?
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