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Gabriella é um
pecado mortal. Entre os vinte e poucos e os trinta e tantos, comem-na os machos
com os olhos, desejam-na as devotas de Safo, mesmo os rapazes adeptos do amor
grego lhe fazem vénia, sorrindo a tanta beleza e elegância. Sorriem-lhe também
os idosos, que se voltam quando ela passa, recordando sonhos melancólicos, estroinices
nunca vividas, desejos nunca satisfeitos.
Na nossa quieta
rua de Amesterdão, não passa dia sem que à sua porta se vejam estafetas com
grandes ramos de flores, ou a entregar caixas onde se adivinham luxos, perfumes,
talvez daqueles bombons que custam um ordenado.
Vestida para a
jardinagem, o desporto, festival rock ou evento de cerimónia, Gabriella é
impecável no bom gosto, acrescentando sempre o pequeno toque que marca a
distinção. Fora isso é um mistério. Sorri muito, fala pouco, supõe-se que tenha
nascido num desses países turbulentos dos Balcãs, pois o seu rosto tem algo de
eslavo. Mas como fala à perfeição umas quantas línguas, há quem arrisque que nasceu
na Hungria, terra de poliglotas.
Tudo suposições. O
que faz? Que rendas pagam o seu luxo? Para onde irá de férias? Tentam os
vizinhos resolver essas e mais incógnitas, pois não se lhe conhece emprego,
marido ou amante, e ora há semanas que desaparece, ora a vêem todos os dias a
passear o cão.
Não se sabe se
está no Facebook, pois ninguém lhe conhece o nome de família ou pseudónimo, e
junto da campainha da porta lê-se apenas Gabriella. Houve atrevidos que
tentaram pescar envelopes na sua caixa do correio, mas em vão, porque ela a
equipou com uma tampa extra que impede o acesso e não deixa ver o que lá cai.
Finalmente, uma
tarde de Maio passado resolveu-se o caso. Havia ajuntamento e gente às janelas,
carros da polícia com as luzes azuis a girar, basbaques a apontar os telemóveis.
Altiva, elegante como quem vai a passeio, e mostrando o alegre sorriso de
sempre, Gabriella apareceu à porta. Trazia as mãos algemadas, mas com um gesto
largo dos braços acenou a todos um adeusinho e entrou num dos carros.
Soube-se depois
que era o cérebro de uma quadrilha internacional de ladrões de automóveis, que
nasceu na Bulgária e se doutorou em engenharia mecânica. Perdeu-a o fascínio
pelas motas. A alguém tinha feito espécie vê-la conduzir uma Ducati
Multistrada Enduro, depois uma Ducati Superbike, depois uma Ducati Panigale, depois… Na sua garagem
encontraram sete Ducati de tipos
diferentes. Todas roubadas, mas de que ela, por paixão, não se tinha querido
separar.
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Publicado na DOMINGO CM.