Eles, e agora também elas – teremos de arranjar pronome pessoal para o conjunto, que o eles é machista – discutem, criticam, propõem. São uns a favor, outros contra, mas todos mudam, reviram, juntam-se, desunem-se, instáveis e irregulares como as ondas do oceano.
Sabem de política e futebol. Argumentam exaustivamente, sobre política e futebol. Ignorando que a política é para poucos, e o futebol reserva particular dos engravatados da FIFA, que com a franqueza bruta da economia de mercado, mostram que mandam nos governos, não se lhes dando que cor têm.
Sabem de rock e carros topo de gama, cinema, Johnny Depp, Penélope Cruz, e de pesos pesados: Sartre, Saramago, Antunes. Sabem até das razões da Rússia e das desigualdades do Iraque, da Palestina.
Mas é só fachada, medo, cortina de fumo, porque se sabem… Não. Porque todos nós, portugueses, nos sabemos sem rei nem roque, sem Deus e sem futuro, continuamos a ser os Alpedrinhas, “das nossas terras palreiras da vanglória e do vinho.”
“Desventuroso Alpedrinha! Tu eras o derradeiro Lusíada, da raça dos Albuquerques, dos Castros, dos varões fortes que iam nas armadas à Índia! A mesma sede divina do desconhecido te levara, como eles, para essa terra de Oriente, donde sobem ao céu os astros que espalham a luz e os deuses que ensinam a lei. Somente não tendo já, como os velhos Lusíadas, crenças heróicas concebendo empresas heróicas, tu não vais como eles, com um grande rosário e uma grande espada, impor às gentes estranhas o teu rei e o teu Deus. Já não tens Deus por quem se combata, Alpedrinha! Nem rei por quem se navegue, Alpedrinha!... Por isso, entre os povos do Oriente, te gastas nas ocupações únicas que comportam a fé, o ideal, o valor dos modernos Lusíadas – descansar encostado às esquinas, ou tristemente carregar fardos alheios."