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É um fascínio que
nasceu no começo da tarde de um domingo dos meus longínquos dezanove anos, em
que, jovem miliciano, aborrecido e triste de me ver obrigado a uma existência
que me desagradava, me deixei ficar a uma janela do Quartel da Graça, olhando
lá do alto para a cidade, ciente de que de imediato trocaria a minha vida por
qualquer uma das que enchiam as ruas, pois de certeza haveria nela mais
esperança e razões de optimismo do que na que eu levava.
Foi então que, achando-me
sombrio, o Barros, alfacinha de gema, vizinho de camarata e depois amigo para a
vida, sugeriu que em vez de estar ali a assombrar-me, esquecesse a tropa e
fosse com ele. Apanhávamos o autocarro, íamos à Portela ver os aviões, ver quem lá
estava, e beber uma cerveja.
Surpreendeu-me o
edifício, encimado por uma pequena torre de controle e, dada uma vista de olhos
à pista e ao único avião que ia levantar voo e me pareceu gigantesco, sentámo-nos
na varanda do bar, onde entre sujeitos engravatados, senhoras de chapéu e meninas
muito compostas, estariam talvez cem pessoas, atendidas por um pessoal exemplar na
sua postura e deferência.
Admirando aquilo
tudo, e com a sensação de ter descoberto um mundo, foi-se-me a melancolia.
Não é só por essa
recordação antiga, mas de facto gosto de aeroportos, e quanto maiores melhor. De Gaulle, Atlanta, Dubai,
Frankfurt, Schiphol, Heathrow, neles não me interessam os
aviões, sim a massa de gente, e nessa massa o grupo que se movimenta com os
ademanes de quem não está ali somente para viajar, mas parecendo tomar parte
numa misteriosa telenovela. Ele são os óculos escuros, o traje, os acessórios,
o ar entediado, o modo desprendido de empurrar o carrinho, de rir para o
telemóvel. Gosto mesmo. Tivesse eu tempo, ocasião, e não corresse o risco das
autoridades me tomarem por importuno ou vadio, passaria o tempo nos aeroportos,
certo de que me viria daí mais proveito do que andar pelas ruas em busca de
assunto para as minhas histórias. Tanto mais que esse povo é muito diferente da
multidão bisonha que se arrasta pelas estações à espera do comboio.
Agora devo talvez
desculpar-me para confessar que, além dos aeroportos, também sinto atracção
pelas urgências dos hospitais. Mas lá não é a pose, são os rostos que me
fascinam. Defronte daquelas expressões de medo e sofrimento, concluo as mais
vezes – erradamente, bem sei – que a humanidade é boa e pronta a arrepender-se.
Pena que o arrependimento seja sempre de pouca dura.
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Publicado na DOMINGO CM