Um obrigado: Vale muito a pena ir ao Porta da Loja aqui e ler o editorial de Alain de Benoist.
Nos confins da
Amazónia, entre o Brasil e a Bolívia, lá onde o rio Madeira começa a ganhar
majestade, Manoa seria o último lugar onde se esperaria encontrar alguém como
John T. Aldrich III.
Com umas cinquenta cabanas, meia dúzia de barracos a que chamavam casas, e o
posto fronteiriço onde os soldados de guarda dormitavam apoiados a espingardas
da guerra da Crimeia, nos fins de 1967 Manoa era o que com razão se podia
chamar um fim do mundo.
Para oriente o barco levava dois dias a alcançar Porto Velho, outra Manoa. Para
ocidente dizia-se, mas sem certeza, que ficavam umas montanhas de picos cobertos
de neve. A poucos metros de cada margem, densa a ponto de tornar o dia um
crepúsculo, a selva era um inferno húmido.
Irregular, e por isso sempre surpreendente como um milagre, a chegada do
barco que de Porto Velho trazia mercadorias, o correio, e alguma autoridade ou
viajante desgarrado, era a maior diversão das duzentas e pico almas a quem
tinha cabido o destino de que ali haveriam de nascer, morrer, e no meio tempo
multiplicar-se. E multiplicavam-se. A ponto de que quando o barco atracava e
corriam todos a ver, pareciam uma multidão.
John T. chegara a Manoa com a vaga ideia de, durante um tempo, gozar ali uma
forma extática e exótica de felicidade. Filho de ricos, tinha viajado, tinha
visto, vivido, gozado, mas continuava a sentir na alma um indefinível vácuo, e
enquanto aguardava a revelação do seu verdadeiro futuro, a Amazónia
parecia-lhe um lugar de espera melhor que Connecticut.
Ficou. Agradava-lhe o isolamento do lugar e apenas o surpreendera o espectáculo
dos cegos, às vezes dois, às vezes três ou quatro, que se sentavam à borda
d'água, e a quem os garotos molestavam aos gritos de "Ca-pa-dos! Ca-pa-dos!"
O missionário tinha-lhe confessado que achava o costume bárbaro, mas conhecendo-os
de há muito, ele próprio nunca se atreveria a ir contra os sentimentos de
honra dos seus paroquianos. O assassinato era para as questões miúdas, as
diferenças de opinião, o castigo dum roubo. Mas homem desonrado por infidelidade
de mulher ou sem-vergonha de filha, só tinha uma saída: capar o malfeitor e
arrancar-lhe os olhos. Ultimamente, aliás, começava a ser costume cegar
também as mulheres.
Deitado na rede estendida entre os dois troncos que suportavam a choça, John T.
balouçava lentamente, recordando as alucinações do peyotl que tinha
experimentado no México, a suave euforia da maconha brasileira, a loucura
furiosa causada pelo chinchonete seco que bebera em Barcelona.
Sentia-se intensamente feliz naquele fim da tarde, mascando folhas de coca,
saboreando em golos fundos a cachaça da garrafa que Simona deixava ali à mão,
na caixa ao pé da rede.
Nome pouco corrente num lugar daqueles, Simona. Tinha conhecido uma Simone em
Yale, outra em Paris, uma Simonetta em Bari, e guardara delas deliciosas
recordações. Mas Simona, com os seus catorze ou quinze anos a mais jovem de
todas, na cama levava-lhes de longe a palma. Que corpo! Que fogo naqueles
olhos negros! Ao fim de experiências sem conta, e pensasse cada um o que
quisesse, em sua opinião o sexo era ainda a droga superior.
Meteu na boca outra folha de coca, bebeu mais um golo. O missionário com as
suas histórias de honor e horror! O que é que por cinco ou dez dólares se não
comprava em Manoa?
Tomou-o um torpor delicioso, voltou a acordar, bebeu outro golo, atentou vagamente
no vulto que de pés descalços se recortava contra a claridade da porta.
- Hi! Pedrito!
Por facilidade tratava-os a todos por Pedrito. Homem ou irmão de Simona, talvez
primo, não sabia ao certo. Em todo o caso parente.
John T. escorregou para o chão de terra batida e pegou na garrafa, estendeu-a
ao visitante que diante dele se mantinha imóvel.
- Bebe, hombre!
Silencioso, o homem sentou-se no chão, bebeu, pousou a garrafa, e sacando da
navalha passou-a lentamente pela unha do polegar, a experimentar-lhe o fio.
“Há várias décadas assistimos à evaporação das disputas político-ideológicas. Com isso, os problemas fundamentais da sociedade deixaram de ser abordados politicamente. Coincide esta particularidade com o enfraquecimento dos partidos políticos, que se tornaram nada mais do que um adorno enganoso do nosso sistema. Funcionam apenas como uma aparência de democracia. Na realidade, os interesses da maioria passaram a ser subordinados aos interesses de minorias barulhentas e agressivas, representadas por grupos arrogantes de rentismo, e não por partidos políticos. A totalidade da sociedade não é agora, por isso, nem suficientemente representada nem satisfatoriamente levada em consideração.
As
clássicas disputas políticas com base em ideias claras e bem definidas,
formuladas e expressas com autenticidade pelos partidos, caíram em descrédito e
estão a ser substituídas por talk-shows superficiais na TV e por uma
“democracia de especialistas” em que os políticos perdem a preponderância do
seu papel na sociedade. As figuras públicas e os autoproclamados especialistas,
assumiram essa função.” Aqui.