sábado, junho 29

O nosso Vara

Porque todos queriam ir foram precisos três carros e a carrinha do Vagaroso, lá fomos então na passada sexta-feira, dando mais ideia de que íamos para alguma festa do que ao hospital de Bragança visitar o Lourencinho Vara (não é família nem conhece o outro senhor, vai aguentando essa arrelia do nome) que depois de ter sofrido um ataque cardíaco balanceara duas semanas entre a vida e a morte, mas felizmente se encontrava livre de perigo, em condições de dentro em pouco voltar aos paparicos da Dona Zé e ao convívio dos amigos, pois faltando ele não há boa disposição, nada corre bem, as conversas murcham.
De verdade, se em cada aldeia, vila, ou mesmo no país inteiro, houvesse fartura de Lourencinhos, estamos certos que se notaria o benefício. Todos conhecemos gente boa, pessoas dedicadas, prontas a ajudar, a acudir numa aflição, a discretamente fazer o bem, mas muito poucos alcançam sê-lo da mesma maneira que o nosso conterrâneo: por vezes com uma inocência de criança, noutras ocasiões deixando-nos envergonhados por nos sabermos incapazes de irmos como ele acudir a certos infortúnios ou a uma solidão.
Porque éramos muitos pediram-nos que entrássemos só dois de cada vez, calhou-me a mim e ao Francisco Santavalha sermos os primeiros. Fomos encontrar o Lourencinho sentado na cama, para falar verdade alegrou-nos vê-lo com uma cara a que só faltava o bronzeado para se dizer que tinha estado de férias.
Trocados os abraços, ele contente de nos ver perplexos com o seu bom aspecto, contou que tinha ficado preso à vida por um fio bem fininho, e tivesse a ambulância demorado mais dez minutos não estaríamos ali a conversar. Graças a Deus tudo se passara bem, os médicos esperavam que com mais uma semana lhe punham o pacemaker e podia voltar a casa.
Foi então que de súbito o vimos afastar o lençol, pendurar as pernas na borda da cama, olhando-nos com o sorriso traquinas de quem aguarda uma reacção. Mas ao ver-nos calados e perplexos, ele próprio ajudou: - Sabem vocês que as enfermeiras ficaram espantadas  quando cá cheguei? Disseram que para alguém da minha idade tenho uns pés muito bonitos!
Aquilo era absurdo demais, deixou-nos tão confusos que lhe desejámos as melhoras e nos despedimos à pressa, com a desculpa de darmos vez aos outros.
Nessa noite falou-se do assunto, porque ele contara o mesmo a todos, mas só o Santavalha tinha uma espécie de explicação:
- O Lourencinho passa a vida a fazer bem e as mais das vezes não lho agradecem. Mas irem agora gabar-lhe os pés!

sexta-feira, junho 28

Bilhetes (42)


Escrever um conto, um romance, pede reflexão, paciência, sensibilidade, um razoável  conhecimento da língua, certa dose de sucessos e reveses na vida, um modo de olhar que se distinga do da maioria.
Para escrever um destes bilhetes nada disso é necessário, contudo ele distingue-se por uma recompensa que falta à obra de ficção: embora anónima e invisível, a certeza da presença quase palpável de alguém que neste momento o lê.

quinta-feira, junho 27

Bilhetes (41)


BEST DEFINITION OF ‘POLITICAL CORRECTNESS’ 


There’s an annual contest at the Griffiths University in Australia calling for the most appropriate definition of a contemporary term. This year’s term was “political correctness”. The winning student wrote:
“Political correctness is a doctrine, fostered by a delusional, illogical minority, and rapidly promoted by mainstream media, which holds forth the proposition that it is entirely possible to pick up a piece of shit by the clean end.”


(O politicamente correcto é uma doutrina defendida por uma minoria delirante e ilógica, incentivada pelos principais media, e a qual pressupõe que é possível pegar num cagalhão pelo lado limpo.)