terça-feira, novembro 28

A vitória do papão

 

A estrondosa e totalmente inesperada vitória do PVV, o partido de  Geert Wilders, surpreendeu mesmo aqueles que por ele, como pessoa, sentem simpatia, mas não subscrevem os princípios que defende.

Fora da Holanda parece ignorar-se, ou é conveniente ignorar, que em 2004 foi no Paquistão lançada sobre ele uma fatwa, idêntica à lançada em 1988 sobre Salman Rushdie, o que segundo a sharia permite a qualquer mussulmano agredi-lo ou liquidá-lo.

É assim que há dezanove anos, na Holanda ou no estrangeiro, Geert Wilders encontra-se dia e noite sob a proteção de seguranças pagos pelo governo, o que socialmente o isola e limita na vida particular. Na ante-câmara da sua sala de trabalho estão sempre quatro ou cinco seguranças. Viaja num automóvel blindado e não tem chave do próprio apartamento, pois só os seguranças a guardam.

O inesperado êxito do PVV, o seu partido, trará alguma mudança no campo social, mas diz quem o conhece bem que, autoritário por temperamento, vai ter dificuldade em conciliar a sua maneira de agir, que agora requer que se mostre capaz de alianças e concessões.

Nos dias, semanas ou meses a vir, em conformidade com o clássico poldermodel, (o modelo polder) que leva a intermináveis discussões sobre ajustamentos, combinações, exigências e desejos das partes em questão, o resultado das eleições não virá depressa. Aliás, creio pouco provável que Wilders venha a ser eleito primeiro-ministro, e Dilan Yesilgoz do VVD mostra-se demasiado vaidosa e inconstante para o cargo, de modo que suponho que o lugar irá para  alguém que pouca simpatia me desperta,  o vaidoso Frans Timmermans, ex-comissário da UE que, aliado aos “verdes da esquerda”, satisfaz as exigências dos fanáticos do clima, das verduras e do mais que contribui para ar limpo e felicidade urbi et orbi.

Todavia, se pasmei e me diverti com a vitória do mete-medo, em parte nenhuma dei conta de que se atentasse nos motivos que poderiam estar, e muito provavelmente estão, na origem do seu êxito.

Acontece que as camadas mandantes, cheias de boas intenções no papel, estão-se nas tintas para as necessidades, desejos e sonhos daqueles que, num momento de distração em que se lhe escapou a língua para a verdade, a inefável ex-primeira dama dos EUA, Hillary Clinton, disse que não são (não somos, pois aí me incluo) mais do que uma cambada de deploráveis.

Assim acontece que na sociedade do extremamente rico, e bem governado país que é a minha segunda pátria, existem situações de que não se dá imediatamente conta, mas que a médio ou longo prazo têm inesperadas consequências.

A agricultura e a pecuária são exemplares na técnica e na produção, mas mesmo com boa-vontade não conseguem satisfazer todas as exigências legais, não só as do país mas também as da UE, concebidas por “especialistas” que compreendem muito de gastronomia, mas de  agricultura, pesca e pecuária se contentam com uma vaga ideia e em concordância legislam.

Cansados de esperar que os oiçam, fizeram-se ouvir em grandes manifestações e fundaram o BBB (Movimento dos Agricultores e Cidadãos) partido que nos princípios e exigências não difere do PVV de Wilders e a ele se alia.

Tudo isso chegaria para desassossego, mas que dizer dos escândalos, sobretudo o da Autoridade Tributária, que em 2011, sem aviso, e baseando-se na suspeita de que fraudavam, cortou de imediato a cerca de 44.000 cidadãos os subsídios e abonos. Que o geral desses nascera no estrangeiro ou tinha um “nome bizarro” sobrou como motivo, mas que onze anos depois apenas alguns tenham recebido os 30.000 euros de compensação, leva a recordar que mesmo na Holanda e de facto “todos os homens são iguais, mas uns são mais iguais do que os outros”.

Já chegaria, e ao cidadão holandês, nascido na Frísia ou em Marrocos, não faltam razões de desagrado. Ele são leis para o isolamento das paredes, para deixar o gás, para pôr painéis solares, e algumas que de tal modo complicam o dia-a-dia, que milagre é que ainda não tenha surgido um verdadeiro partido da extrema-direita.

Assim, por exemplo, há localidades onde se construiram novos bairros, porque é dramática a crise da habitação. Só que as casas continuam deshabitadas, ou porque não satisfazem as exigências “verdes” do país e da UE, ou porque – incrivel mas verdade – a companhia de electricidade da zona não tem capacidade suficiente para atender a todos.

Razões para dar a Geert Wilders uma tão espectacular vitória têm os holandeses de sobra. Interessante é saber o que faria se fosse primeiro-ministro, mas os que realmente seguram os cordéis dos títeres só por milagre deixarão que isso aconteça. O modelo polder nunca falha.

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aqui: https://observador.pt/opiniao/a-vitoria-do-papao/

  

 

 

domingo, novembro 26

Lá vamos andando

 

De vez em quando a tentação é grande, tanto mais porque eles parecem não se dar conta de como seria fácil assentar-lhes uma bordoada no ego e na vaidade, naquela importância de pechisbeque. Mas no silêncio está a paz, deixa andar.

É vê-los como empurram quem se lhes atravessa no caminnho, na ilusão de que têm de ser sempre os primeiros, os do lugar de honra, que o mundo nada mais faz do que olhar para os primeiros disto, os mais daquilo, quem tem estrelas, e quantas, quais, onde.

O que esses tarde ou nunca aprenderão é a esconder a ganância, a inveja, pois mesmo quando sorriem deixam cair os cantos da boca, a sua pele ganha um amarelo ciumento de fígado envenenado.

Moles na espinha e no aperto de mão, caminham de lado com manhas de raposa, a risada que às vezes conseguem dar é um gargarejo que lhes sai meio entupido, sincopado de bílis.

Que o Altíssimo a todos favoreça.

Alguns deles alimentam a ilusão de que a vida se assemelha a uma autoestrada, com avisos a anteceder os cruzamentos e as curvas perigosas, os declives anunciados em percentagens, nos miradouros sempre belo o panorama. E então, tramados pela própria ingenuidade, julgam-se  capazes, de na vida como na estrada, indicar aos outros o melhor percurso, prever as curvas, os obstáculos, aconselhar paragens e cuidados.

Pena perdida. Muito pouco, quase nada, valem os avisos e manhosas intenções desses que em nós querem mandar e dizem proteger. Além de que para a vida não há mapas, programas ou instruções, pois mesmo à luz do dia cada passada é dada no escuro, nunca se sabe se virar à direita é melhor do que à esquerda, ou será errado seguir em frente.

Felizmente, uns e outros lá vamos andando, cegos de olhos abertos, contentes de que as pernas nos levem, iludidos de que sabemos para onde.

 

 

quinta-feira, novembro 23

Terramoto na Holanda

 

A vitória eleitoral de Wilders explicada aos pequeninos:

Um cidadão holandês que se inscreve para poder alugar uma casa num bairro social terá, no melhor dos casos, de esperar 12 (doze) anos antes que a sua vez chegue.

Aos refugiados é quase de imediato fornecido alojamento, mobilado e equipado, e uma subvenção que a eles e à família permite viver confortavelmente.


terça-feira, novembro 21

Chorar sem lágrimas

 

Desde que findou, dois anos, quase três, nunca mais se falaram. De longe a longe ela envia-lhe um mail, "penso muito em nós", raramente variando a frase, um tom de grito em surdina,  apelo à recordação.

Nunca reage, uma única vez quase cedeu à vontade de lhe lembrar o aniversário de uma noite de paixão, mas conteve-se, cerrando os dentes e mentindo a si próprio com um "o que lá vai, lá vai", consciente do perigo que corre quando enfrenta a quimera da sua felicidade.

Mulher, filhos, família, obrigações, rituais, tudo se lhe assemelha vazio, desbotado, impossível de comparar à verdade do que sentiu e partilhou, do que teve e perdeu.

Dispensa a fantasia para imaginar a vida que o espera: olha em volta, chora sem lágrimas e, como ela, também grita em surdina.

 

 

domingo, novembro 19

Terra de judeus

 

Acena do outro passeio e apressa-se ao atravessar, mas a cordialidade é fingida, no aperto de mão exagera a força, e o sorriso há muito lho conheço, pois quase sempre acompanha um pedido de opinião, as mais vezes subentendendo que nos encontramos no mesmo lado da trincheira.

Faz um ano que o não via, mas francamente confesso que não lhe senti a falta, talvez por ter sido dos colegas que, fosse qual fosse a moda, política, social, do desleixo na roupa ou outra, logo a adoptavam com fanatismo, certos e seguros da obrigação de segui-la, dando assim não uma, mas sortidas provas do seu vanguardismo e pertença ao rebanho.

Discutir com esse tipo de gente não leva a parte nenhuma, é tempo que se perde, mas o trato social tem as suas exigências, lá veio então a troca de perguntas clássicas sobre a saúde, o bem-estar, quantos netos, as férias, a carestia...

Satisfeito esse ritual, e como se a curiosidade de sabê-lo de repente lhe ocorresse, agarrou-me o braço, e num tom de confidência perguntou se me recordava da conversa que uma vez tínhamos tido sobre os judeus de Trás-os-Montes.

Respondi-lhe francamente que a minha memória há muito embirra, mas é provável que essa conversa tenha acontecido, pois de uma maneira ou doutra, no Nordeste transmontano somos muitos, eu incluído, que pelo aspecto não destoaríamos em Israel.

O seu sorriso, e o modo satisfeito de quem vê confirmada uma certeza, pareciam trair não ter sido de todo acidental o inespertado encontro. Um momento calado, a expressão grave de quem está a reflectir, finalmente decidiu:

- É terrivel o que está a acontecer, mas comprendo que escolhas o lado de Israel. O que a mim custa aceitar...

Nunca vou saber o que não aceita, porque lhe voltei as costas, farto que ando de fanáticos e peritos cheios de certezas, e sempre no lado bom.