segunda-feira, fevereiro 27

O rebanho dos bons

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Vivi alguns anos no ideal romântico de ser a universidade aquela instituição que nas ideias, nas ciências e nas técnicas, tem por finalidade e dever transmitir o conhecimento e estimular o progresso.
Se bem que três décadas de docência não tenham abalado de todo essa minha utopia do instituto universitário, e mantenha alguma esperança, verdade é que do confronto com a realidade poucas ilusões me restam.
Mais do que a subserviência de boa parte dos colegas para com tudo que fosse poder ou superior hierárquico, desiludiu-me sobretudo o inesperado, e para a minha inocência improvável, maniqueísmo dos estudantes, tão prontos a negar evidências, como em insistir serem senhores e donos de soluções para o caos do mundo, bastando dar-lhes o braço e seguir com eles o bom caminho.
São os descendentes desses maoístas e terceiro-mundistas que hoje enchem a boca com os perigos do aquecimento global, a urgência de energias limpas, os malefícios do  CO2 e umas quantas novidades mais. Não aceitam que os contradigam, demonstrando um conformismo que é a negação do espírito universitário em que se educaram, do qual não se espera  obediência, mas que seja livre no ajuizar e na investigação.
Semelhante mentalidade contribui para tornar impossível o diálogo, pois os membros dessas “elites”, quase diria seitas, tendem para a histeria política, mostrando-se mais inclinados a seguir o que é moda e os ditames do grupo a que pertencem, do que os do próprio raciocínio, ou as razões alheias, o que os predispõe para uma mentalidade de carneirada.
Possuem também um inerente anseio em se manterem do lado “bom”, de sem espírito crítico ou discussão aceitarem as “boas” instituições; de verem o aspecto  “positivo” da avalanche de refugiados; de imporem os “bons” hábitos alimentares, etc.
No que respeita a energia só conhecem uma solução aceitável, a sua, em que ela é “limpa”, embora cuidem que perto donde vivem não se instalem moinhos de vento. São infalivelmente bondosos e compreensivos para com os refugiados, correm pressurosos a salvá-los das águas do Mediterrâneo, mas não os querem no seu bairro, antes se esmeram para que os acomodem longe.
Entristece constatar que, a respeito da política, das questões sociais e das tragédias dos nossos dias, muitos dos que gozaram um ensino superior se distingam por um comportamento de rebanho. E que quando, por acaso, pensam duas vezes antes de agir, não o façam para defender uma opinião pessoal, mas para evitar que os julguem dissidentes.
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Publicado na DOMINGO CM

domingo, fevereiro 26

Nunca há perigo

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No princípio da semana rebentou a notícia de que um polícia de origem marroquina, membro da segurança de Wilders, e da mesma unidade que cuida da segurança da Família Real holandesa, tinha sido detido por comunicar informações confidenciais a uma organização criminosa.
Dois dias depois, surpresa: o suspeito tinha sido libertado e as informações não tinham sido dadas a uma organização criminosa, mas a duas mulheres que ele queria impressionar. Um irmão do agente já tempos antes tinha sido demitido pelas mesmas razões.
A pouco mais de duas semanas das eleições legislativas, Wilders, que há doze anos tem, dia e noite, segurança permanente, cancelou todos os comícios e aparições públicas, confessa-se muito preocupado com a situação, pois as suas  moradas secretas, safe houses,  hábitos, e o mais da sua vida pessoal é agora conhecido.
O governo promete investigar, mas garante que não há perigo.
Com alguma razão muitos recordam as promessas feitas depois da morte de Pim Fortuyn em 2002 e de Theo van Gogh em 2004, os dois únicos assassinatos políticos na Holanda desde 1672.

sexta-feira, fevereiro 17

Falsa lisonja

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Do semanário holandês Elsevier (18.02.2017):



“Falsa lisonja


Islamofobia / O secretário-geral das Nações Unidas lisonjeia os seus anfitriões sauditas e asneia.

A vida de um diplomata de topo não deve ser fácil. Não obstante as opiniões que tiver, para alcançar o fim em vista, será por vezes obrigado a manter um bom entendimento. Sobretudo quando se trata dos influentes estados-membros que, financeiramente, mais contribuem para o orçamento da ONU.
Mas há uma grande diferença entre a arte diplomática de navegar à bolina e a absoluta hipocrisia.
O português António Guterres é, desde 1 de Janeiro, quem manda na ONU. Visitou esta semana a Arábia Saudita, o ultraconservador estado islamita do Golfo e generoso doador da ONU. Guterres discursou elogiosamente acerca dos seus anfitriões. A Arábia Saudita é um “exemplo na luta para a mudança e o crescimento.” Tais palavras testemunham de uma estranha opinião sobre um país em que, por exemplo as mulheres, pouco melhoramento vêem no amargo atraso da sua situação.
Pior ainda foi a declaração de Guterres acerca do terrorismo. Esse é “a consequência dos sentimentos de islamofobia e da orientação contrária ao Islão em certas partes do mundo”. É este um mirabolante ataque à direita populista do Ocidente. E também falso, pois não é a islamofobia uma consequência dos atentados dos islamitas?
Além disso são os próprios sauditas quem tem uma tradição de espalharem mundialmente o fundamentalismo e de financiarem os jihadistas – como acontece na Síria. Por parte de Guterres, ao fim e ao cabo líder de uma organização que aspira à paz mundial, teria sido mais corajoso mencionar esse aspecto. Do modo como procedeu confirma apenas o papel de vítima que o Médio-Oriente gosta de representar: o malévolo Ocidente é o instigador da desgraça. Que pateta este.”

Robbert de Witt