terça-feira, abril 30

A Família Real dos Países Baixos

 
Súbdito leal faço vénia e desejo-lhe paz, felicidade, alegria e longa vida.

segunda-feira, abril 29

4.6 Mb

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Não é queixa, nem gracinha, apenas testemunho da minha realidade aldeã: para poder enviar um e-mail com um anexo de 4.6 Mbites, suspendo o portátil na janela, assobio a dar-me paciência, espero quarenta e dois minutos bem contados antes que apareça o sinal do envio.
Subir a pé uma encosta de seiscentos metros é outra possibilidade, mas gasto mais no caminho do que o quarto de hora que ganho na emissão.
De modo que por estas bandas, como o sinal ainda não atravessa as paredes, o uso da internet torna-se desporto, actividade ao ar livre.

domingo, abril 28

Rainha Beatriz

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Sou um dos milhões a quem a Pátria, mãe desleixada, entregou na Roda dos Expostos, deixando a outra o cuidado de me dar mantença e garantir uma vida com deveres, direitos, justiça e dignidade.
Essa vida tem sido a minha, desde que há cinquenta e sete anos cheguei ao Reino dos Países Baixos. Não me vejo a agradecer, nem a Holanda de mim o espera, pois faz cada um de nós o que deve: cumpro eu os deveres, garante ela os direitos, o bem-estar, a legalidade. Não agradeço, mas admiro e invejo.
Agora que, dois dias mais, a Rainha Beatriz vai abdicar, e o seu reinado foi de muita dedicação aos interesses da res publica, de sincero cuidado e carinho para com os seus súbditos, magoa-me dobrado fazer a comparação e, para só falar dos da Terceira República, não poder dizer o mesmo dos chefes de estado, dos primeiros-ministros, dos governantes que violam a pátria que nos é madrasta, a pilham desavergonhadamente com artes de cavalheiros de indústria, nos dão mau nome e irreparável prejuízo, a nós e aos que hão-de vir.




sexta-feira, abril 26

Ipsilon

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Se estivesse nos trinta, de certeza abria o champanhe, mas chegado aonde me encontro a serenidade leva a melhor. Não é que a satisfação seja menos, mas tanto ou mais do que o testemunho público conta o sentimento de que, no caminho andado, dei, dou ainda, o meu melhor, grato aos que me ensinaram, ciente da dívida que tenho para com aqueles que, desde os trovadores e Fernão Lopes, vieram afinando o maravilhoso e delicado instrumento que a nossa língua é.
Isso permanece, está dentro de mim. O resto é superfície, passagem, a esta hora os jornalistas escrevem sobre outros casos, os fotógrafos buscam outras caras, o Ipsilon de hoje morre por volta da meia-noite.


quinta-feira, abril 25

Dia 26


quarta-feira, abril 24

"O que é um escritor?"

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Às centenas de milhar de jovens, menos jovens e anciãos aspirantes à fama literária, que gastam horas, noites, a caboucar os alicerces da opera magna, recomendo que leiam pausadamente o texto de António Guerreiro com o título acima, que se encontra na página 36 do Ipsilon da passada sexta-feira.
Porque é como lá se diz: a escrita em si, só de viés entra no assunto. Conta a apresentação e o funcionamento, a maneira de estar, participar, agir com acerto.
Na Feira do Livro de Frankfurt, muitos anos atrás, quando ainda me afligiam uns restos de inocência, colegas de várias nacionalidades vi eu a desfilar num catwalk perante um gargalhante público de editores e agentes. Disse então alguém que pareciam manequins, mas a mim, que sou do antigamente, lembravam mas é as putas da casa de passe na Rua da Glória, Lisboa, quando Madame Blanche, ao ver entrar um freguês, batia nas mãos e gritava “Meninas! À sala!”
Busca você fama e proveito? Deixe as letras em paz, pare com as histórias. Mude rumo e vá estudar teatro.

terça-feira, abril 23

Há guias e guias

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Original, inteligente, erudito, falta-me ainda o adjectivo para qualificar o misto de surpresa e entusiasmo com que li o livro de Bruno Vieira Amaral.
Todos estes personagens já eu conhecia, e alguns deles, como o inesquecível Teodorico Raposo de A Relíquia, ou o Malhadinhas de Aquilino, acompanham-me desde a adolescência, quase me atreveria a dizer que "são meus".
A diferença, e grande diferença é, reside em que estes dois e os outros quarenta e oito me surgem aqui diferentes, mais complexos, examinados pela lupa de um talento que, abrindo perspectivas inesperadas, me obrigou a rever o que há muito julgava pronto e arrumado.
Se a Literatura é interesse seu, e aprecia as boas surpresas, dê-se um presente: vá ler este GUIA PARA 50 PERSONAGENS DA FICÇÃO PORTUGESA.




segunda-feira, abril 22

Montez & Marketing


Deram-me aqui um cumprimento indevido,mas logo um senhor Mário Montez reagiu acertadamente, afirmando nos comentários: 
Mário Montez disse...
o melhor escritor vivo, e o camilo já fazia isso há duzentos anos? de vez em quando desenterram-se nomes, parece que para se lhes dar uma boa morte. é só pensar em alguns. dois, por exemplo, são do maestro manuel de freitas. quando um deles morreu, o freitas apressou-se a ir buscar outro, vejam lá, ao islão. assim me parece o surgimento de rentes de carvalho. quanto ao resto, é um entusiasmo pouco lúcido e muito vulgar afirmar-se que este é o melhor romancista, poeta, pintor, livro, etc. que surgiu desde as calendas. convenhamos que rentes de carvalho não passa disso mesmo, de uma afirmação. porque é que, octogenário, só aparecem a falar nele agora? queixa-se, de viés, no blogue, de óscar lopes, por não o ter metido na historia da literatura portuguesa e, ainda de esguelha, vai instilando que foi por oscar lopes ser comunista, ser do 'partido'. é uma má razão, é um olhar turvo próximo da cirrose. na dita história da literatura portuguesa, abundam autores conservadores e, no entanto, óscar lopes e a. j. saraiva leram rentes de carvalho de certeza. digamos que estes exageros viraram moda. é preciso recuar a eça? ora, ora, batatas, e os outros todos que vieram depois de eça, bem mais amplos do que o muito louvado aqui? é uma boa acção dar alegria a um homem de oitenta e tal anos, quando nunca mais pensava tê-la. é vê-lo feliz a escrever no blogue e a falar de si próprio e dos outros da cátedra que omarketing lhe deu.

Ignorava eu que na afastada Holanda, vai já em cinquenta anos, e mais recentemente em  Portugal, misteriosas forças de marketing intentam fazer de mim o que não sou.
Graças a Deus vem o senhor Montez pôr a descoberto as actividades desses poderes subterrâneos, e digo-lhe, bem haja, pois é dever de todos nós apontar as forças do Mal e as suas nefastas actividades.
Um ponto devo corrigir: no que respeita os fajardos Saraiva e Lopes o senhor Mário Montez leu apressadamente, ou cegou, pelo que aconselho que repita a leitura.




domingo, abril 21

Luz da manhã

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sexta-feira, abril 19

Na véspera de mais um "Abril"



"O êxito da Revolução dos Cravos fez explodir por entre a juventude da Europa rica ondas de entusiasmo. Essas, porém, tinham menos a ver com o ter-se libertado o pobre Portugal do jugo que o afligia, do que coincidir o acontecimento com o espírito festivo e libertário iniciado em finais da década de 60, e o qual, nesse momento, como que alcançava o apogeu.
Logo desde as primeiras horas, os holandeses certamente se contaram entre os mais entusiastas dos prosélitos dos Cravos. E idem dos mais fundamentalistas. Bons eram os que, incondicionalmente, sem reservas, cantando e rindo, abraçavam a chegada da liberdade ao martirizado país. Quem viesse com interrogações e dúvidas, era relegado para a asquerosa categoria dos inimigos da Revolução. Ou pior: para a dos pobres de espírito, aqueles a quem faltava tino para compreender a beleza da aurora revolucionária, e se mostravam incapazes de berrar em uníssono que o Sol passaria a brilhar para todos nós.
Em ambas as categorias me encontrei eu. Situação inconfortável na universidade, onde os fariseus eram legião. Situação ainda pior junto da chamada imprensa da esquerda, na qual tinha colaborado e onde, de um dia para o seguinte, me vi ostracizado, posto de lado como cão tinhoso.
Felizmente, esses percalços não me causaram mossa de maior, nem perturbaram demasiado o sono. Contribuiram, sim, para agudizar o meu sentimento de não-pertença, ou aquilo que anos mais tarde, ao escrever sobre a minha situação na Holanda, um crítico inglês descreveria como “the seldom commodious situation of an outsider inside.”
Compreendi, aceitei, observei, consegui mesmo extrair algum proveito do desconforto. Assim, os jovens e menos jovens revolucionários holandeses que partiam em bandos a ajudar a colheita de tomates no Alentejo, ou a levar o evangelho marxista aos idosos de Trás-os-Montes, tornaram-se-me objecto de estudo.
Certamente os havia sinceros nas convicções e ingénuos no comportamento. Sempre os há. Mas esses eram poucos e desinteressantes. O foco da minha atenção ia para os que berravam slogans acompanhando-se à guitarra, os de cabelo mais longo e vestuário hippie. Esses iam animalmente para gozar, beber, cozer a pele e a bebedeira nas areias do Algarve e arredores. Entrementes erguiam o punho, davam abraços, debitavam alegres os hinos da revolução e os slogans do momento: o povo é quem mais ordena, a terra a quem a trabalha, unidos venceremos, camaradas àvante, a luta continua...
Cumprido esse dever voltavam à bebedeira, e hoje provavelmente efabulam aos netos as andanças heróicas em que participaram e a solidariedade que sentiram ao contacto da pobreza alheia.
Delas, as revolucionárias, guardo a lembrança de nas soalheiras do Alentejo as ter visto de mini-saia e mamas ao léu. A colher tomates, como tinham prometido. E até a participar nas sonolentas reuniões em que os quadros explicavam às massas a felicidade que as aguardava. Mas as jovens holandesas, fora o desejo de auxiliar o proletariado, traziam na bagagem outras e bem mais generosas intenções missionárias. Os pobres campesinos, como elas gostavam de lhes chamar, fora as privações materiais, certamente sofriam com a repressão da Igreja. Deprivados há séculos de um comércio sexual adequado, eram eles, se não “almas”, corpos a necessitar de salvação e satisfação.
Sobretudo no Alentejo, as jovens e menos jovens holandesas deitaram-se a fornicar o proletariado com um entusiasmo que deixou fama. E seja dito: trinta anos passados, ainda se encontram  anciãos alentejanos que rebolam os olhos ao recordar esse gostoso tempo.
Para as raparigas o acto era polivalente. Num ambiente revolucionário e longe de tutelas, podiam alargar ainda mais os limites da liberdade a que estavam habituadas. Encontravam também as satisfações novas que dava o exotismo da situação. E, last but not least, um testemunho da cooperativa revolucionária, a confirmar a participação em tarefas de solidariedade e desenvolvimento, era  excelente achega para o Curriculum Vitae.
Hoje, quando a televisão me mostra os jovens que partem por quinze dias para os quatro cantos do mundo, a levar ajuda aos deserdados e aos inválidos, já não ironizo nem julgo, sorrio."
...................
In  A Ira de Deus sobre a Holanda – inédito.

quinta-feira, abril 18

Decepções

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"They tell us that the rules of power and the rules of war are the same, the art is to deceive; and you will deceive, and be deceived in your turn, whether you are an ambassador or a suitor. Now, if a man's subject is deception, you are deceived if you think you grasp his meaning. You close your hand as it flies away. A statute is written to entrap meaning, a poem to escape it."

in: Bring Up The Bodies – Hilary Mantel – 2012

"Dizem-nos que as regras do poder e as da guerra são idênticas, e a sua arte a decepção; quer sejas embaixador ou cortesão, enganarás, e de seguida serás enganado. De modo que se o intento de alguém for o logro, serás logrado ao pensar que compreendes o seu propósito. Fechas a mão e já ele voou. Um regulamento é escrito para encerrar um significado, um poema é-o  para que esse significado escape."

Li, deu-me que pensar. Será assim na guerra e nas lutas pelo poder, mas vale também  no dia-a-dia dos que escrevem: quanto mais refinado o logro, melhor sabor tem a ficção.

 

quarta-feira, abril 17

Àquela parte

Todos as temos, as horas de aborrecimento e fastio que levam a torcer o nariz quando pensamos no semelhante, aquele/a que desconhece a obrigação de cumprir o que  promete, não aprendeu a cortesia da pontualidade, se regala na sua própria e suposta importância, crente de que o mundo gira em torno de tão pequenina pessoa.
E as desculpas que depois arranjam! Fôssemos acreditar, é tudo de uma importância e pressa de altas esferas, quase se envergonha a gente de no íntimo os/as mandar àquela parte, o que só não fazemos pelo desagrado que seria quando respingasse o excremento.

terça-feira, abril 16

"Aqui entre nós"

Há tempos, em conversa, um amigo pedia que lhe dissesse – "aqui entre nós" – que pensava eu das obras dos jovens literatos portugueses.
A ele, quase jovem, desagradou a minha opinião, forçosamente condicionada pela idade, acrescentando que compreendia mal que eu afirmasse que à literatura portuguesa dos mais novos falta dádiva.
Expliquei, ele continuou céptico, ligeiramente irónico, mas é essa a minha opinião: a  generalidade dos rapazes e das meninas aprendeu a construir, fazem-no por vezes com talento e conhecimento das regras. Todavia, quando se espera um edifício acabado, a fachada colorida, o telhado em cima, descobre-se o esqueleto, vêem-se os andaimes e as cordas, as polias, os baldes de cimento, os restos de entulho.
Constroem sem arremate, e isso nem é grande pecado, vem da pressa da juventude, de boa vontade se lhes perdoa. O mal está em que do que lá deixam nada me leva a sonhar.

segunda-feira, abril 15

Um resumo

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Seria o começo de uma boa história, mas ficamos pelo que é: um resumo de paz e bem-estar.

domingo, abril 14

O Cabo Horn

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Há o Porto, há Lisboa, depois o Algarve dos hotéis e aquela faixa larga de poucos quilómetros a contar das praias, as autoestradas sem carros, os estádios sem festa, os repuxos, as rotundas, as fontes luminosas, as Casas da Cultura, os pavilhões desportivos.
Que se comece do Minho para oriente, ou do Alentejo para cima, quanto mais se avança mais espessas são as sombras,quem chega ao Nordeste transmontano vê-se ali como o explorador que desceu ao fim da Patagónia e, assombrado, dá conta de que nenhum pincel, palavras nenhumas, chegam para exprimir as águas revoltas, aquele negrume do céu, o abandono, a secura, a força da ventania.
O Nordeste transmontano é o nosso Cabo Horn. Os montes que o povoam encerram mares de negrume e tragédia que uns ignoram, outros com razão não querem ver, porque o negrume pega-se, vai um passo de nada da paz que se finge à tragédia que nos esmaga.
Aqui e ali ainda há jovens, homens e mulheres na força da vida, mas o grosso do Nordeste transmontano, as gerações dos que têm setenta, oitenta anos, está a morrer da pior das mortes: a do abandono, do medo, do desespero e desilusão.
Foram os que arriscaram e fugiram, mourejaram dos Pirenéus a Paris, sentiram-se salvos e senhores quando na volta juntaram ao Toyota aquele tractor de rodas gigantes e assento alto, trono de haver e poderio. Os filhos compraram o Mercedes, o apartamento, gozaram no México, não esquecerei tão cedo o brilho de orgulho nos olhos da conterrânea, que dizia, falando dos netos: "Tenho oito doutores em casa! Oito!"
E quase de súbito, com o inesperado e a devastação dos furacões em mar longínquo, o que parecia bucólico, assente, sossegado, ruiu. Os filhos e os netos chegaram com o ar de refugiados de uma catástrofe ou guerra. Em volta da lareira, que foi sítio de harmonia, ouvem-se os gritos do medo que todos sentem, das culpas que ninguém tem. Onde houve união é agora cada um por si. Andam esgazeados pelas repartições, agitando papéis que mal compreendem para o que são, pagamentos que têm de fazer a um ogre que lhes exige a bolsa e não garante a vida.
Mesmo o Senhor parece tê-los abandonado, Ele de quem sempre lhes disseram que era o da  eterna esperança e da salvação.

 

 

sexta-feira, abril 12

Na "SÁBADO"

- Disse que está um pouco surdo... é da idade? Que mais chatices tem tido?
- É da idade, claro. Os anos não perdoam, o aparelho gasta-se. Depois há aquele género de conversa que irremediavelmente danifica os tímpanos. Junte a isso, ao longo de oitenta e três anos, o hábito de fechar os ouvidos para não ouvir o que desagrada.
Chatices nenhumas. Recuso-as sempre, de modo que continuo optimista e em boa saúde.
 
- Como vão as coisas por Trás-os-Montes?
Muito bem, como sempre. Nós, transmontanos, há séculos que aprendemos a aguentar, não é preciso que um ou outro banqueiro nos venha ensinar essa virtude.
 
- O que é costuma fazer quando está aí?
Leio mais do que em Amsterdam. Escrevo menos. Almoço. Distraio-me com a passarada. Vou à farmácia, vou ao que antigamente se chamava 'As Finanças', à Caixa. Dois dedos de conversa aqui e ali.

- E como vão as coisas na Holanda? Muito frio?
O aquecimento central ignora o frio. As coisas por lá vão como de costume: planeadas, pautadas, regulamentadas, organizadas. Há quem refile com a cambada de mandriões que vive a sul de Bruxelas, mas isso é hábito antigo.

- Ainda não se fartou daquela malta?
Seria contraproducente, fora que há mais de meio século lhes pertenço.

- E quando vem cá, ultimamente, nota diferença no povo?
O nosso povo anda triste, e com razão. Pena não haver instrumento para pôr a ferros a cambada que lhe rouba o sustento e lhe tira a esperança. Mas quem sabe? Nosso Senhor manda cancros, manda revoltas.

- Este novo romance, “Mentiras & Diamantes”, de onde vem a ideia?
De uma conversa interessante com gente muito interessante.

- E a personagem de Sarah... é inspirada em alguém?
Claro. Se ler o romance verá que é mulher de carne e osso. E vive no Algarve

- Quanto tempo demorou a escrevê-lo?
O contrato para a edição holandesa, que ainda não saiu, é de Fevereiro de 2002. A conversa de que atrás se fala deverá ter acontecido uns quatro anos antes. Faça as contas.

- Quando volta para a Holanda?
Passados três ou quatro meses na aldeia, e carregadas as baterias da saudade, ponho-me a andar. Será antes do calor de Agosto.

 

quinta-feira, abril 11

50 PLUS

Tudo muda, e mais depressa do que no antigamente das duas ou três gerações passadas. Mesmo os velhos de agora só talvez se assemelhem aos do século anterior na fraqueza da vista e no emperro da memória. Fora isso, à custa de vitaminas, elixires, ginásticas e  comprimidos, os anciãos andam por aí, não como uma frágil Terceira Idade, antes como potente e  perigosa Quinta Coluna, muito consciente de que em democracia conta o número.
Assim na Holanda o partido "50 Plus" avança fortemente nas estatísticas, e já se nota  que vai diminuindo a choradeira de que os jovens nenhuma vontade mostram de pagar o descanso dos reformados.
Atitude simples e egoísta, essa. Deveria ser supérfluo recordar que a juventude passa e, mesmo desagradáveis, são legais as decisões tomadas por maioria. Ninguém se surpreenda quando aparecerem os cartazes a anunciar que "A Velhice É Quem Mais Ordena".

quarta-feira, abril 10

Relíquias

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Mitologia? Fábulas? Invenções? Fiquem a saber que acredito em bruxas, videntes, profetas, cartomantes, nos poderes de Iemanjá, na Santa Adelaide de Arcozelo, na Santa do Tropeço, no "doutor" António,  no Boi-Homem, e mais.
Dizem que Baco era um deus da mitologia grega? Tretas. Baco era de carne e osso, gostava de vinho, de mulheres, tinha faro de colonizador, tanto que, garante-o o muito nosso e douto Frei Amador Arrais, por volta de mil e novecentos AC mandou o seu filho Lysias fundar Portalegre. Quem duvidar entre na igreja da terra e lá lhe mostrarão os restos mortais desse filho de um "deus mitológico". Mitológico, uma fava.
Também acredito em relíquias, e quando pela primeira vez li o romance do senhor Eça de Queiroz, desgostou-me vê-lo troçar de tão séria e generalizada crença, certificada, ademais, pela Santa Madre Igreja e outras religiões.
Recentemente, porém, certo de que se aproxima o dia em que terei de prestar contas ao Todo-Poderoso, essa minha necessidade de acreditar levou sério abalo.
Pregos da Cruz, cueiros do Menino, palhinhas do Presépio, pontas da Coroa de Espinhos, a essas já me tinha habituado, dando desconto ao exagero de uma ou outra. Contudo, leio agora que na Inglaterra, em meados do século XVI, no convento de Maiden Bradley, condado de Wiltshhire, os monges possuíam: "Retalhos da veste do Senhor e restos da carne servida na Última Ceia". ("The monks have part of God's coat, and some broken meats from the Last Supper").
Acho demais.
 
 

terça-feira, abril 9

Mrs Thatcher

Mrs. Thatcher tinha fama pela prontidão e o veneno dos seus remoques, mas quanto a mim poucos igualarão este:
Visitando Nelson Mandela na África do Sul, a orgulhosa e rabiosa Winnie Mandela achou interessante informá-la:
- Here in South Africa people also call me The Iron Lady.
- I see. And what do you iron?

segunda-feira, abril 8

No JL

Não líamos um romance inédito seu há alguns anos. Foi demora intencional?
Em 1972 foi editado 'O Rebate'. No fim da década de 90, por cuidado do generoso Leonardo Freitas, foram publicados cinco romances meus.  Ninguém deu por eles Passou-se mais uma década até a Quetzal editar ''Com Os Holandeses'. Demora intencional? Quando os meus livros me deram algum nome na Holanda, e muitos o sabiam? Acho que terá sido antes desinteresse, e não só dos editores, mas daquela gente que cria as modas e as correntes. Sujeitos como eu em geral caem fora, ficam fora e longe. Para que entrem tem de haver milagre ou um editor com espírito garimpeiro.

 E houve algum facto, história, curiosidade, a desencadear este regresso à narrativa longa?
Sim, houve histórias que me contaram, e que não eram propriamente para ser contadas. Mas com algum arranjo, sobrepondo-lhe um enredo, uns tantos personagens menores para despistar, e um ou outro alçapão, dei-me conta que havia material para um romance totalmente diferente dos que antes tinha escrito. Creio, aliás, que não voltarei tão cedo ao género, pois é difícil manter a sequência e evitar que os personagens não baralhem o enredo. Como exercício foi excelente, ensinou-me até onde posso ir e onde devo parar.

Que traumas escondem Jorge e Sarah, protagonistas deste livro?
Terá de ser o leitor a descobrir os traumas de ambos, e perguntar-se em que medida se identifica com eles, ou descobre em si vontade de se tornar psiquiatra.

Um livro ao jeito de um policial, ao ritmo de um thriller. São géneros que lhe agradam?
Desde aí por volta dos oito anos até hoje continuo a ser um enorme consumidor de  thrillers.   Maus, bons, excelentes. Dashiell Hammett, Elmore Leonard, os primeiros romances de John Le Carré, um esquecido John D. MacDonald… Acrescento ainda os nomes de Graham Greene e Somerset Maugham, que contribuíram muito para a minha formação.

Mentiras, diamantes, crime organizado, negócio de armas, exploração dos recursos naturais. Previne o leitor que esta é uma obra de ficção. Mas também parece um olhar sobre o mundo contemporâneo.
É uma obra de ficção no género a que Graham Greene chamava entertainment. Convida a imaginar o que terá acontecido, ou o que teria podido acontecer, e ora aguça a curiosidade do leitor, ora lhe oferece oportunidades de sonhar. Ao fim e ao cabo o mundo é menos como o vemos do que como o sonhamos.

E lê-se na contra capa que esta história tem como pano de fundo um “país corrupto e corrompido, entre aos seus segredos de família”. É assim Portugal?
Sim, sabe-o você, sei-o eu sabemo-lo todos: Portugal é um país vergonhosamente, tristemente, pobremente corrupto. Para mal dele e de todos nós, até para mal dos que o corrompem ou se deixam corromper.

 

domingo, abril 7

Armadilhas

Tive um aos dezoito anos, íntimo mesmo, podia dizer que era do peito, e esse fez-me o favor de me trair, lição que ficou. Por isso não tenho amigos. Melhor dizendo: mantenho relações de amizade, sem resguardo, mas vou cuidando não dar mais nem receber para além da zona de segurança. Anda o espírito em paz, dorme-se bem, evita-se o ranger dos dentes e a azedia do estômago.
Mesmo assim, tão arrevesada é a natureza humana, que por mais precauções que se tomem e barreiras que se levantem, há sempre um espírito traiçoeiro, quando menos nos precatamos caímos na armadilha.
Não adianta o queixume. Vale mais aceitar o desfalque, aprender a lição e, sobretudo, gozar o espectáculo do regozijo do "amigo", momentos antes de se dar conta de que já nos levantámos.

quarta-feira, abril 3

Feel good


Fora os transtornos da saúde e do dinheiro, no tempo em que vivemos parecem poucas as razões de queixa: da publicidade às religiões, do cinema, teatro, revistas, romances, cartazes, montras do comércio, há engrenagens colossais a funcionar com o único intento de que nos sintamos num estado de permanente feel good.
Porém, dado o azedume de tantas caras, a melancolia das atitudes, impõe-se a conclusão de que é tempo, dinheiro e esforço perdido, a energia desse arsenal de inteligência seria melhor aplicada a resolver necessidades mais urgentes do que a pataratice de um estado de constante bem-estar.
Não será para todos, mas a seu tempo, um ou outro inesperado pontapé, um falhanço, uma desilusão, um sonho perdido, nada mais eficiente para espevitar as forças que trazemos adormecidas.

Do que acima fica se poderá concluir que dormi sossegado, tenho a reforma garantida, a perspectiva de um bom almoço, e não vivo em Chipre.

terça-feira, abril 2

Umbigos

É gente que vive num antigamente que nunca foi como o idealizam, e vem apontar o dedo aos jovens escritores que não se mostram revoltados com a crise do país e parecem desafeitos da política.
Acenam então com os "grandes nomes" das décadas de 50 e 60, e eu, triste de mim, que os conheci, testemunhei as vaidadezinhas, as cumplicidades, os medos, recordo entre outros aquele grande escritor esquerdista que ganhava rios de dinheiro com a publicidade capitalista e salazarista, mas se queixava, amargo, lamuriando "nunca me deixaram escrever o que queria."
Quem raio o proibia de fazê-lo?
Podem censurar os jovens escritores pelo desinteresse que mostram pela política e a sociedade, e o muito tempo que usam a inspecionar o próprio umbigo e adjacências, mas dêem-lhes exemplos mais nobres do que os senhores escritores que foram da "Oposição", orgulhosos "lutadores antifascistas" – tê-lo-ão sido tanto como gritaram?  - e sofriam quando a Censura não lhes proibia os livros, porque era isso que dava fama e proveito, o rótulo de mártir.

 

segunda-feira, abril 1

Primas

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Parece "prima" da Dom Luís, de Gaia, está no vale do Wupper, e com 107 m é a ponte ferroviária de aço mais alta da Alemanha.