quinta-feira, setembro 30

Gente da nobreza

São família de muitos irmãos, muitos tios, primos às dezenas, dizem por vezes a brincar que com eles se fazia um regimento. Provavelmente não chegariam, se bem que juntando os parentes em segundo grau, de certeza se formava um batalhão.

Gente humilde, boa, trabalhadeira, exemplar nas virtudes antigas da seriedade, agradável e simpática no trato. Mas então não é que, pelas minhocas criadas na cabeça de uma prima a viver para os lados de Perpignan, foram como que atacados de loucura colectiva?

Procurando aqui, colando além, fazendo dos enganos certezas, inventando onde dava jeito, concluiu ela, e fez saber, que a humildade da origem comum era fábula. Não seriam primos dos Braganças, mas nos idos de mil setecentos e tantos descobrira nos anais a existência e o nome de um fidalgo que, pela acção conjunta do álcool, do jogo, da preguiça e da putaria, caíra na miséria.

Desse infeliz descendem, mas agora, ordenou a prima, têm obrigação de dizer quem são, donde vêm, que os gerou sangue nobre. E eles dizem-no, repetem incansáveis a genealogia, deixaram de votar socialista.

quarta-feira, setembro 29

Boris Johnson

Contra o meu hábito li devagar, precisei de nove dias para ontem terminar as 578 páginas, chegando à mesma conclusão que a do amigo que mo recomendou: "Que livro extraordinário! Que extraordinário personagem!"



                                                                            

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terça-feira, setembro 28

A verdade e a "res publica"

A pergunta data provavelmente dos netos de Adão, mas esses não dispunham das possibilidades publicitárias do Novo Testamento, e assim nos encostamos a Pilatos quando, com ênfase, queremos saber o que é a verdade.

Com a nossa e a alheia se confecciona a História, o curioso refogado de factos, mentiras e aparências que, segundo o interesse dominante, levianamente muda de sabor e colorido.

Por isso lhe digo que é tempo de ler ou reler a "História de Portugal" e o "Portugal Contemporâneo", de Oliveira Martins, e admirar-se, como eu em permanência me admiro, que desde há tantos séculos sejam diminutas as mudanças de atitude do bom povo português em relação à res publica e aos que a tratam como coisa sua.

segunda-feira, setembro 27

A venda do paraíso

 

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domingo, setembro 26

O que lá vai lá vai

São casos dum passado tão longínquo que quando se fala neles é precisa muita explicação, de modo que mesmo alguns que já são avós encolhem os ombros, queixando-se que não interessa, a gente de então está no cemitério, é um bocadinho cansativo ouvir recordar as alcunhas, os tiques e os parentescos de pessoas que já eram velhas quando alguns dos presentes ainda gatinhavam, por isso mude-se o disco, fale-se doutra coisa.

Porque assim é, e mesmo entre os de igual geração muitas vezes há discordâncias e aborrecimentos, o Fernando Matias e eu ganhámos o hábito de no último domingo de cada mês nos juntarmos a almoçar. Não incomodamos os outros e sem termos de nos afligir com remoques ao nosso saudosismo, podemos falar de tudo o que nos vem à memória, ao mesmo tempo que nos iludimos de que, revivendo este e aquele episódio paramos o tempo, esquecemos a nossa velhice, voltamos a ser os putos que subiam às árvores para roubar ninhos, as cerejas do vizinho ou de longe, à fisga e com boa pontaria, quebravam os cântaros que as mulheres deixavam no fontenário à espera de vez.

Todavia, numa ou noutra altura ambos nos damos conta de que a nossa ânsia de recordar o passado, e fingir que assim o revivemos, mais não é do que a tentativa inconsciente de querer  abrandar o mêdo que nos causa a rapidez com que os anos fogem. Rapidez essa para a qual a vida não nos prepara, mantendo-nos primeiro na ilusão de que há sempre um amanhã, para de súbito, como um cortinado que escondia o inevitável e de repente se abre, nos pôr defronte do destino a que ninguém escapa.

Na última vez que nos encontrámos surpreendeu-me o Matias com a sugestão, de facto o pedido, de que talvez pudéssemos recordar um bocadito menos o passado, mas falar também de assuntos que no presente nos afligem, como por exemplo...

Aguardei que continuasse, mas à maneira que as pessoas por vezes têm, de parecer que se arrependem do que iam confessar, o meu camarada baixara os olhos, tamborilava na mesa, pigarreou, até que por fim, num sussurro conseguiu dizer nunca ter sido pessoa de crendices, mas desde há tempos e nas ocasiões mais inesperadas, se sentia tomado pelo pânico de que a sua morte era iminente.

Claro que todos conhecemos esse medo, mas duma maneira ou doutra a maioria das vezes conseguimos que não se torne uma desagradável mania. Foi o que lhe recordei, mas longe estava de esperar a sua reacção:

- Pra te dizer a verdade a morte é o menos! O que já não aguento é ficar à espera, não saber quando!

sábado, setembro 25

O bom exemplo

Num discurso proferido em 1967 afirmou Salazar: "Sempre houve pobres, sempre os há-de haver, é preciso que os haja".

Ignoro se o ditador se referia apenas ao país, ou alargava essa sua visão ao mundo inteiro. De qualquer modo, rememorando a frase, ocorre-me também dizer que em Portugal sempre houve ricos, sempre os há-de haver, é preciso que os haja. Temos necessidade deles para podermos mostrar a imagem do país real, o país que come bem e traja chique, usa Rolex no pulso, tem Bentley e chofer, vai a Miami com mais facilidade e conforto do que você e eu chegámos a Oeiras. O país que, juntamente com o que temos de Património Mundial, o Vinho do Porto, as praias do Algarve, e a carne do porco preto alentejano,  é nossa obrigação mostrar ao mundo.

A pequena burguesia com as suas hipotecas e os pobres com as suas necessidades, embora formem o grosso da população não representam o Portugal verdadeiro, o das epopeias, o Portugal audaz, empreendedor e enérgico, dinâmico. São classes que constantemente se atrasam na História e no desenvolvimento, sem ousadia para a luta, sem visão. São a massa dos fiéis das igrejas, os simples que gritam nas revoluções e fazem o V com os dedos.

Delas pouco ou nada há a esperar, são gente que, nascida subalterna, se acomoda aos revezes dizendo que é o Destino. Melhor seria se tomassem o elevado exemplo que dão os senhores empreiteiros, capazes de gerar fortunas como por mágica; os senhores políticos, que com argúcia tomam um país inteiro por conta; ou os senhores da banca, abençoados de Mercúrio e tão capazes nas versões financeiras da multiplicação dos pães.

Esses, sim, nesses corre a seiva que torna grandes as nações, e bem merecem que se lhes eleve uma estátua. A plebe que os acusa, insulta, e deseja que vão para o Inferno, melhor faria em estudar-lhes as qualidades.