É pena perdida vir com sorriso, grande abraço, pancadinha nas costas e palavras de conforto, a aconselhar-me que não dê atenção nem deixe levar pelo azedume. Que cuidado e caldos de galinha são sempre benefício, fora que com os anos que já carrego toda a cautela é pouca, pois às vezes um pequeno nada...
Resmungo o meu acordo em palavras de circunstância, e em pensamento remeto-os com outras para o ventre onde foram gerados.
Voltam eles então ao "tenho amigos da esquerda e da direita", frase tantas vezes lida e ouvida que involuntariamente lhe esqueço o significado e ponho a magicar no que subentende.
Garantias não dá, cabe na mesma lista daquela outra, "também tenho amigos homossexuais", a ênfase do também a reforçar a existência de uma imaginária virtude.
É coisa do princípio do meu mundo e, talvez porque sou do povo, arrelia que tenho com a chamada classe média portuguesa, que não é classe nem média, sim um corpo social amorfo, que por baixo toca o povinho e na outra ponta se quer fidalga, esquecendo, ou ignorando, que o verdadeiro brasão ganha-se, não se herda nem compra.
A esse tipo de gente, que vai do Zé da Mouca a D. Francisco de Rodrigães Penha d'Alembourg e Castedo – visconde de fancaria - , pouco me custaria fechar os olhos à vaidade, à jactância, à babosice, ao egoísmo de que dá mostra e provas, à infantilidade do comportamento, ao grotesco da sua necessidade de imitar.
O que não lhe perdoo nem esqueço é a alma de “secos e molhados”, o espírito mercantil e a escassez de vergonha, a ganância de comer a dois carrilhos, a habilidade acrobática de ter amigos em todos os pontos da rosa dos ventos da política e da vida.