sexta-feira, junho 30

Rir ou chorar?

"Há oposição nesta choldra? Alguém pensa, alguém quer saber?"

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quinta-feira, junho 29

A dor

 

Dor, a verdadeira, a que magoa fundo, conta-se a poucos. Não precisam de ser íntimos, podem ser escolha de acaso ou mostrar empatia, estar presentes no momento de fraqueza em que pomos a nu o sofrimento.

Dor terrível, a que revela como somos impotentes, incapazes, inúteis, enleados nas palavras e nos actos. O que se diz da dor fica aquém. O que sobre ela versejam os poetas, mesmo os talentosos, deixa um travo, soa a fabrico, raro a pena sentida. Dor é tempestade e trevas, punhais embotados, males do Inferno, horas infindas, dia sem alvorada. E silêncio.

A dor conta-se a poucos, disse eu. Não é verdade. O que se conta é a versão cosmética, compreensível, dentro do aceitável. Dor verdadeira cala-se e esconde-se.

 

domingo, junho 25

Onde é o dói?

 

A defunta Madre Teresa, o Papa Francisco, o sempre bem disposto, sorridente e beijoqueiro Dalai-Lama, o senhor Fernando da garagem, você, o seu vizinho do terceiro, eu próprio - todos temos maus hábitos. Uns mais do que outros, alguns até ao exagero, e esses são os que se apressam a apontar o dedo.

Entre os meus, creio que poucos, dizem-me que um dos que mais irritam é o de que pareço incapaz de responder séria e laconicamente, quando me contam um caso ou pedem opinião. Segundo esses que me acusam, em vez de sim ou sopas começo por contar uma história que às vezes se alonga e raro tem a ver com o assunto.

Dias atrás falava-se de um casal desavindo e dos argumentos com que cada um demonstrava a sua razão. Quando quiseram saber o que decidiria, eu, mau Salomão, repliquei com a história que em casos desses é a minha favorita.

Foi em Roma, na era de César. Um poderoso, rico e muito elegante senador convidou os seus melhores amigos para jantar. Porém, antes, de fazerem as abluções e passarem ao triclinium – a sala de jantar com os clássicos três leitos - não querendo perturbar os convidados durante a refeição, anunciou logo ali que se ia divorciar.

Pasmo geral. Como podia acontecer semelhante coisa? Então não era a sua esposa uma das mulheres mais ilustres do Império? Das mais inteligentes e distintas? Haveria outra que a igualasse em beleza ou elegância? Tinha ele entontecido?

O senador ouviu-os em silêncio. Então, chamando um escravo, ordenou que lhe desapertasse uma sandália, e com um gesto teatral mostrou-a aos amigos, pedindo que lhe dissessem o que pensavam dela. E eles que sim, claro, não havia sandália mais elegante, de cabedal tão fino, melhor forma ou mais belos enfeites.

- De facto, meus amigos, de facto! Bela. Bonita. Nova. De excelente qualidade. Mas digam  então: onde é que ela me magoa?

 

 

sábado, junho 24

O país da bica

Muito se fala e muito se acusa, no soalheiro Portugal. Muito se aponta o dedo ao vizinho. Dele e dos compinchas é a culpa dos males que nos afligem e ainda mais hão-de afligir. Muito se fala e muito se acusa, no abençoado país onde a miséria é antiga como a nacionalidade, e irmã da esperança, crente em velas acesas que, baratinho, compram milagres. Pouco se grita, mas muito se queixa e ainda mais se inveja e admira o Francisco Esperto, filho da Dona Branca. Muito se lastima que no jardim à beira-mar não cresçam as rosas que o vizinho prometeu, mas não plantou. Muito se chora, muitas culpas se deitam, muito medo se sofre, mas também muito se espera e adia, muito se discute, muito café se bebe.