segunda-feira, novembro 30

Seguidores

Isto de não andar uma pessoa ao corrente das coisas gera por vezes estranhas conversas. Quis ele saber quantos seguidores eu tinha, pergunta que assim do pé para a mão me fez franzir o sobrolho e procurar se não quereria dizer perseguidores.

- Não, não! Seguidores. Pessoas que seguem o teu blogue.

Eu não fazia ideia, ele explicou, procedemos à busca e encontrámos dois. Foi a sua vez de levantar o sobrolho, pois, como disse, quem tem um blogue arranja logo dezenas, talvez até centenas de seguidores. Isso funciona como uma espécie de aplausómetro, isso é que dá a medida da popularidade.

- Quantos mais seguidores, mais...

Completou a frase com um encolher de ombros, que tanto podia ser de estranheza pela minha ignorância, como de desdém pela escassez do interesse alheio.

Informei-me, e é facto: blogues há com dezenas e dezenas de seguidores, nalguns até se lhes vê o retrato.

Provavelmente pede-se à família, aos amigos, aos vizinhos e aos colegas que "sigam". O que pouco importa, pois deve ser reconfortante abrir o blogue e dar com aqueles rostos que confirmam a bela certeza: "Seguem-me, logo existo!"

domingo, novembro 29

Pobres e dependentes

Por vezes começa-se assim o dia, com a ilusão de que participamos na conversa e acenamos a nossa concordância.
De facto é mais que verdade: "Se não houvesse a Europa e se ainda houvesse Forças Armadas, já teríamos tido golpes de Estado. Estamos à beira de iniciar um percurso para a irrelevância, talvez o desaparecimento, a pobreza certamente."

Grato à Fernanda Leitão, que do Canadá mandou o link.

sábado, novembro 28

Esclerose múltipla, sexo e falta de vergonha

Na Ópera ou numa inauguração, nas muitas obrigações públicas a que o cargo obriga, vê-se por vezes Job Cohen, o burgomestre de Amsterdam, a empurrar a cadeira de rodas da esposa, que há muitos anos sofre de esclerose múltipla. É um momento que se observa com respeito.

Job Cohen (1947) catedrático de Direito, Secretário de Estado, desde 2001 burgomestre da capital. Apreciado por alguns, mal amado por outros, o seu cargo não é dos mais fáceis, nem a cidade é das mais dóceis.

Recentemente teve ele de se sujeitar a mais uma entrevista na televisão. O entrevistador pediu-lhe que, "para facilitar o contacto", tirasse como ele o casaco e se sentassem ambos no chão. O burgomestre obedeceu. Decorreu a conversa sobre os assuntos do costume, até que em determinado momento o jornalista quis saber se, mau grado a paralisia desta, ele e a esposa ainda tinham relações sexuais.

O burgomestre respondeu.

Desde então, nos momentos mais inesperados dou comigo a rogar pragas sem saber bem a quem:

- Se ao jornalista, que explicou que "é extremamente ténue a linha divisória entre o voyeurismo e o modo de discutir a intimidade"; que "a maneira como um político fala do sexo diz muito sobre os seus pontos de vista políticos"; além de que ele, jornalista, procura sempre "descobrir a charneira entre o que é privado e o que é público, pois só daí resulta o verdadeiro retrato do entrevistado".

- Se ao burgomestre, que não respondeu com um par de bofetadas.

- Se a este raio de mundo onde a norma anda em bolandas.

sexta-feira, novembro 27

Virgem

Se se lhe faz o balanço tem o preciso para a felicidade: saúde, rosto simpático, corpo bem feito, uma inteligência que não permite grandes voos mas livra das grandes decepções, bom emprego, carro de boa marca, dinheiro na Caixa, amigos e amigas por toda a parte.

Estranha-se que aos trinta e oito anos viva ainda com os pais, mas sabe-se que, filho único, lhe repugna deixá-los, já que, reais ou imaginários, ambos sofrem de múltiplos achaques.

Estranham também alguns que, mau grado muito namoro, não tenha nunca encontrado forma para o seu pé.

Compreendo-o eu, que às vezes lhe sirvo de confessor. A esta faltava a beleza, o mal doutra era a família, uma terceira passara da idade, aquela sofria de enxaquecas, a mais recente é só de festas, de viagens. E porque a religião mandava e o libido nunca o afligira, continuava virgem

- Aconteceu – disse ele tempos atrás, como quem dispara à queima-roupa.

Depois de uma noitada de copos e alguma coisa mais, a das festas conseguira levá-lo para a cama.

– Mas não foi o que eu esperava. Não deu certo.

Não explicou, nem eu quis saber as causas do desacerto, e mudámos de assunto. Desde então não voltou a procurar-me, mas faz pouco ouvi dizer que está noivo. Noivo da mesma com que não deu certo. De facto são muitos e bizarros os caminhos que levam ao matrimónio.

quinta-feira, novembro 26

A arte de receber

Porque será que certas pessoas generosas sabem dar, mas desconhecem a arte de receber? Com algumas tem-se a impressão de que por muito que se lhes dê nunca é de sobra, suficientemente bom ou interessante. Esticam a corda, puxam mais um bocadinho, surpreendem-se de que não rebente, o seu prazer reside talvez na febre da expectativa, no temor do risco.

Regra geral chega sempre o momento em que a corda rebenta mesmo, e então, tarde demais, tudo são desculpas e explicações, queixinhas, pasmos inocentes.

À medida que o tempo passa e as decepções vão aumentando, o círculo das amizades encolhe, antes de se dar conta anda a gente a cantar Me and my shadow.

quarta-feira, novembro 25

Dois casos


Tem a gente por vezes pesadelos depois de ouvir mais um daqueles casos de defuntos que acordam e se levantam do caixão no momento em que já se lhes preparava a cova.

O perigo é real e a probabilidade grande, a qualquer um de nós pode acontecer o mesmo que a Ron Houben, um belga da cidadezinha de Zolder, no Limburgo. Vinte e três anos atrás sofreu um acidente de automóvel, levaram-no para o hospital em coma e aí ficou os vinte e três anos seguintes, totalmente paralisado, incapaz de dar sinal de vida. Recentemente, com aparelhagem mais sofisticada, os médicos deram-se conta de que o infeliz se mantinha consciente e conseguiram "acordá-lo". Paralítico ficou, mas consegue comunicar por meio de um computador, confessando que em matéria de frustração nada se compara à de ouvir as discussões sobre as vantagens de desligar a maquinaria.


Ontem, na Holanda, chovia bastante e a temperatura rondava os oito centígrados. Numa pequena cidade do nordeste do país demorou quase duas horas a que alguém notasse que era anormal ver um garotinho encharcado, em pijama, caminhando pelas ruas. Quando lho perguntaram soube dizer o nome e a morada. Também explicou a razão do passeio: andava à procura do Pai Natal.