domingo, agosto 31

Segredos

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"Encostas de luz e sombra, outeiros, montes escalavrados, um rio que mal se enxerga na estreiteza dos fraguedos.
Aquela paisagem pouco mudou e ainda hoje ilude, é cenário de teatro. O estranho que então por ali passasse veria carreiros, choupanas, casas toscas, sombras esquivas, anciãos imóveis, jericos amarrados, mulheres a puxar o bioco para a testa, espreitando num modo antigo pelos olhos em fenda.
Um largo, uma capela, duas ruas sem calçada, para o lado do rio a meia dúzia de palheiros onde moravam os "ciganos", que só o eram na alcunha e na estranheza do seu viver, gente a quem chegava a esmola e o que longe dali havia para roubar."
Do mais não daria conta, que povoados assim ignoram o mundo, fecham-se no medo e na pobreza, nos segredos, nas vergonhas de que se fala com rodeios e acenos, os olhares dizendo o que as palavras temem."


sexta-feira, agosto 29

Gostos

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No que respeita a música popular o meu gosto e preferências são simples: parei nos Beatles . Budy Holly, Elvis Presley e todos os que desde então vieram esqueci, à música pop fecho os ouvidos.
Contudo, sempre me preocupou a minha incapacidade de apreciar o que encanta e apaixona tantas centenas de milhões, até que dias atrás um competente músico(*) me forneceu a explicação: "A música pop faz constantemente o mesmo, repete os esquemas de acordes, repete os ritmos e as melodias, ao contrário da música clássica, a qual, além de muito mais descritiva, regularmente utiliza mudanças drásticas (dos ritmos, das melodias e dos esquemas de acordes)."
Gostei de ouvir e de ver confirmado que os gostos, além de os haver para tudo, não se discutem. E bem é que assim seja: apreciam uns a monotonia, outros preferem a diversidade.
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(*) O brilhante Colin Benders, aka Kyteman, aqui referido.

quinta-feira, agosto 28

Paixão

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É um amor estranho, irreal, um amor de muitas incógnitas, de extremos que de facto se tocam, seduções que nenhum deles experimentara. É muito, é quase tudo, o que devia afastá-los, mas a força que os atrai desconhece as leis da natureza e da sociedade, leva-os a procurar-se, a desejar-se com a febre da loucura, esquecendo leis e limites, ambos certos de que só a dádiva total vale o risco; que no verdadeiro amor, na paixão, não pode haver direitos nem deveres, concessões, favores ou diferenças. Que a paixão, a verdadeira, a única que vale a pena sentir, é o reino da igualdade.

quarta-feira, agosto 27

A ira

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Há verdades que o próprio nem a si mesmo ousa contar, cenas que se escondem fundo e assim se tornam irreais, há martírios que vamos arrebanhando como se o sofrimento e o medo fossem a grande razão da vida.
A muitos faltam as palavras e nunca se perguntarão por que vieram ao mundo, por que não tiveram melhor berço, nem melhor destino do que este de raivas, de  fúrias, negrumes e desagrados.
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A Ira - Pieter Bruegel (1520-1599).
 

terça-feira, agosto 26

A vida? Só a bolsa.

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O carácter sagrado da vida? O juramento de Hipócrates? A caridade? A solidariedade? Aquele mandamento "Não matarás"? Esqueça. 
Vai para sete anos que aqui na Holanda se discute sobre o excessivo custo da Saúde Pública, o qual roda à volta duns 94 mil milhões de euros anualmente. Falando de coisa e outra, concluiu-se, provisoriamente, que o custo de uma operação ou tratamento não deverá exceder os 80.000 euros pelo ganho eventual de um ano de vida para o doente. Um interessante aspecto é que ninguém, médico, economista, político, director de hospital, saberá dizer quanto custa uma apendicectomia, uma operação ao joelho, um transplante, o único facto assente é que os custos são excessivos. 
De momento, com razão, os médicos empurram o dilema para os políticos, mas não demorará a que estes decidam se o paciente, cujo tratamento vai custar          € 80.010, terá direito a mais uns meses de vida, ou se se lhe anuncia que volte para casa e, na medida do possível, morra em paz.

segunda-feira, agosto 25

O Czar

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Os números que explicam a imensa popularidade de Vladimir Putin na Rússia

sexta-feira, agosto 22

Ao fim do dia

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Chega sempre o momento em que nos perguntamos qual é o propósito de certas amizades, de certas conversas, o que é que nos leva a tomar este ou aquele ponto de vista, a fingir que participamos, quando no fundo é escasso o que importa e o que pessoalmente para nós conta.
É certo que a vida em sociedade exige o ritual, pede o teatro, ninguém pode andar com a alma à mostra,  ou abri-la com a mesma inocência com que às vezes se exibe o corpo. Mas quanta saliva gasta, quanto tempo perdido, tanta energia desbaratada sem que se adivinhe o que rende ou que moinhos a aproveitam
Não é que ao fim do dia me ponha a contabilizar a utilidade do trato social, apenas me toma um sentimento que balança entre a irritação e o desalento, de ver que também eu faço o que não quero, afirmo o que estou longe de pensar, gasto-me em salamaleques que só a contragosto, ou por necessidade do enredo,  atribuiria a um personagem de romance.
Esse teatro derreia, leva a fazer má cara ou, pior ainda, a afixar o sorriso da hipocrisia