É independente, é livre (por enquanto), semanas atrás a redacção refugiou-se em Amesterdão. Merece apoio.
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Cá estamos então de volta e note-se para a estatísca: ao longo de 58 anos (desde 1964) foram agora percorridos pela 232ª vez os 2.200 km entre Amsterdam e Estevais de Mogadouro, o que mais coisa menos coisa dá 510.400 km. Usaram-se 5 carros Ford, 1 Renault, 1 Citroën e 1 Opel. Avarias zero. 1 pneu rebentado, 3 furos, 4 multas por excesso de velocidade em França e em Espanha (cerca de 150 euros).
Uma surpresa.
Se não há lugar no “nosso” hotel em Magaz de Pisuerga, passamos a última noite no parador de Tordesillas. Assim foi desta vez. Só que ao entrar na cidadezinha nos supreendeu um cartaz a anunciar 30 km de velocidade máxima. E então é preciso ver para crer, porque dá impressão de um filme em slow motion, pois como o trânsito se move a passo de boi quase não faz contraste com o andamento das pessoas, o que cria a ilusão de que elas quase se arrastam em vez de caminhar.
Uma antevisão do que vos espera, porque me despedirei antes da chegada do maravilhoso mundo novo.
Poderá um galo tornar crítico um agravo doméstico? E esse tão penoso que leve um casal de meia idade a reconsiderar o que sente? No caso de Elvira e de Daniel pode, tanto mais por serem contrários no temperamento: ela expansiva e calorosa, ele frio, reservado que nem um sueco.
O quintal é espaçoso, há ali fruta, flores, horta, uma capoeira enorme, onde os antigos proprietários tinham umas cinquenta galinhas e ainda mais coelhos. Para eles, contudo, aquilo dava um trabalhão, pelo que se tinham desfeito da bicharada, deixando as galinhas precisas para os ovos e uma cabidela de vez em quando.
Meses depois o galo começou a ficar morrinhento, e apareceu morto. Saudades não deixava, tinha um cacarejo de constipado e galava mal, as galinhas punham uns ovitos de perdiz.
Veio então um, que ao vê-lo os deixou de boca aberta, pois das garras à crista o bicho era espectacular, até no cocoricó se mostrava um galo de alto lá.
Elvira cuidava da capoeira, mas nessa manhã, por ser o saco da ração pesado demais, tinham-no levado ambos, foi assim que pela primeira vez Daniel viu como o “Casanova” tratava o seu harem. Nada de cantorias, rodeios, asa a arrastar: ao vê-lo perto já elas se agachavam, dois, três segundos passava à seguinte, bruto com algumas e quase as esmagando
Ambos a olhar calados, fingindo que não viam nem o espectáculo os interessava, e logo depois, cada um por seu lado voltaram a casa.
Acabavam de almoçar, quando Daniel reparou que Elvira hesitava, mas só mais tarde, já a arrumar as xícaras, os olhos baixos de quem se assusta da ousadia, conseguiu dizer:
- Não podemos continuar assim. Sou muito infeliz.
Com o modo sarcástico que os seus alunos temiam, Daniel pareceu hesitar, recompôs-se, a voz quase amistosa: - Infelizes somos todos, Elvira. Todos.
A partir de hoje, e talvez durante uma semana, este blog vai ficar inactivo. No domingo, contudo, será publicada a crónica do Correio da Manhã.
É gente que vive num antigamente que nunca foi como o idealizam, e vem apontar o dedo aos jovens escritores que não se mostram revoltados com a crise do país e parecem desafeitos da política.
Acenam então com os "grandes nomes" das décadas de 50 e 60, e eu, triste de mim, que os conheci, testemunhei as vaidadezinhas, as cumplicidades, os medos, recordo entre outros aquele grande escritor esquerdista que ganhava rios de dinheiro com a publicidade capitalista e salazarista, mas se queixava, amargo, lamuriando "nunca me deixaram escrever o que queria."
Quem raio o proibia de fazê-lo?
Podem censurar os jovens escritores pelo desinteresse que mostram pela política e a sociedade, e o muito tempo que usam a inspecionar o próprio umbigo e adjacências, mas dêem-lhes exemplos mais nobres do que os senhores escritores que foram da "Oposição", orgulhosos "lutadores antifascistas" – tê-lo-ão sido tanto como gritaram? - e sofriam quando a Censura não lhes proibia os livros, porque era isso que dava fama e proveito, o rótulo de mártir.