Uma ponta de reputação, logo são obrigações para isto e aquilo, vai a gente descartando-se como pode, nem sempre com boa cara, de vez em quando de sorriso amarelo e a perguntar-se como foi possível cair na ratoeira.
Razões de verdadeira queixa não vejo, tenho até vivido momentos agradáveis, mas há limites, estou certo que nunca me acontecerá o que um dia presenciei numa Buchmesse - a Feira do Livro de Frankfurt: escritores a desfilar numa passerelle, como se fossem manequins ou putas a fazer sala num bordel.
Enfim, cada um lá sabe, o meu limite é que de amanhã até domingo à tarde serei feirante, andarei pela Feira do Livro do Porto a vender o meu peixe. Hoje, porém, vendo o peixe alheio.
Um dia de Abril passado, o jovem e desconhecido colega veio direito a mim na LeV, em Matosinhos, disse que vivia em Amsterdam, passados dois dedos de conversa anunciou que me iria mandar um seu romance.
Lá me vi eu uma vez mais na clássica aflição e a prometer que leria, sabendo que muitos mais anos de vida seriam precisos para ler, agradecer e comentar os livros que os jovens escritores tão gentilmente me oferecem.
Chegou o volume. Torci o nariz à capa. O título – Mizé – antes galdéria do que normal e remediada - pareceu-me forçado. Desconfiei das críticas na badana – "O melhor romance de 2009". Para desobrigar a consciência comecei a ler momentos depois e continuei essa noite.
Daí em diante fui caindo de surpresa em elogio. Romance de verdadeira originalidade. Excelentes diálogos. Bom comando da língua, enredos inesperados mas convincentes de naturalidade, personagens miseráveis no carácter e no modo, tão bem desenhados que dão ideia de que os conhecemos de qualquer parte.
Assim, antes de amanhã começar a vender o meu , aconselho a quem gosta de ler, e aprecia "peixe" de qualidade, que aproveite a Feira e compre o excelente romance de Ricardo Adolfo.
Não me parece homem para malabarismos, modernismos e piruetas literárias, ou sacrificando à moda do momento. Se continuar como começou, vai longe.