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Anos atrás, um poeta holandês que
ia radicar-se em Portugal, quis saber de mim se o ambiente seria hostil à sua
preferência pelo amor grego. Assegurei-lhe que era infundado o receio, pois a
Revolução dos Cravos, fora ter assegurado as liberdades, como que rebentara
também as barreiras ao deboche.
Pediu ele então que lhe
escrevesse as palavras que na nossa língua referiam o homossexual.
Maricas, panasca, larilas,
bicha, os derivados de azeite, de panela, vali-me de Gil Vicente, dos dicionários
de calão, e à medida que eu escrevia soletrava ele, preocupado com a pronúncia,
mas dizendo-se maravilhado, pois tal abundância vocabular contrastava com a
escassez da da sua língua-mãe, em que as palavras nicht e flikker quase cobriam
o assunto.
Mas se um outro poeta de igual
preferência me fizesse hoje a mesma pergunta, a questão de abundância seria
descabida, pois as palavras vão morrendo com a anemia do politicamente
correcto, gay e namorado/a são o cânone.
Dá-se o caso de que o país inteiro
namora. Desapareceram nele as amantes, as teúdas e manteúdas, as amásias, as
concubinas, os cornos, os gigolôs. Anda tudo asséptico, mole, escovadinho,
valem os crimes passionais para irmos mantendo algum sentido da realidade.
Publicado no CM.