sábado, agosto 31

O Diabo e a Diaba

 

Antigamente era hábito dos frades do Convento de Amarante descansarem na varanda, alindada por cinco arcos e as estátuas dos quatro reis que reinaram nos oitentas anos que durou a construção.

Desde tempos remotos havia aí duas pequenas estátuas, representando um diabo e uma diaba que, por penitência, serviam de base à Cruz. Queimadas  em 1809 pelos soldados de Napoleäo, os frades encomendaram duas outras que foram colocadas na sacristia, e o povo de Amarante continuou a venerar, argumentando avisadamente sobre a necessidade de se andar de bem com Deus e o Diabo.

No dia 24 de Agosto realizava-se a sua festa, até que em 1870 o arcebispo de Braga, preocupado com a popularidade das imagens, ordenou que as queimassem.

Os encarregados do auto-de-fé decidiram que bastava castrar a figura masculina e exilá-las ambas para uma arrecadação. Anos depois foram vendidas por 6 libras à firma Sandeman, que as utilizou para a publicidade dos seus vinhos, tendo estado expostas na Exposição Universal de Paris em 1889. No final dos anos 30 a firma devolveu as imagens à Vila.

 

 

sexta-feira, agosto 30

Portuga antigo

 

Personagem excepcional, António Raposo Tavares partiu para o Brasil com cerca de 22 anos, estabeleceu-se em São Paulo e logo se tornou figura notável de explorador e guerreiro. Lutou contra proeminência dos jesuítas. Explorou o território desde São Paulo ao actual Paraguai e daí à cordilheira dos Andes provando, cem anos antes dos Espanhóis, a navegabilidade do Rio Grande.

Em 1639 lutou contra os Holandeses na Baía. Em 1641 fez a exploração desde o Mato Grosso até ao Amazonas, descobrindo a ligação dos rios Madeira e  Amazonas.

Quando regressou a São Paulo achava-se tão desfigurado pelas provações e as doenças que a própria família o não reconheceu. Na opinião do Padre António Vieira, essa última exploração “verdadeiramente foi uma das mais notáveis que até hoje se têm feito no mundo”.

 in Portugal, um guia para amigos.

terça-feira, agosto 27

Copianço

 

«O Português nunca pode ser homem de ideias, por causa da paixão da forma. A sua mania é fazer belas frases, ver-lhes o brilho, sentir-lhes a música. Se for necessário falsear a ideia, deixá-la incompleta, exagerá-la, para a frase ganhar em beleza, o desgraçado não hesita… vá-se por água abaixo o pensamento, mas salve-se a bela frase.» (Eça de Queirós, Os Maias).

 

 

domingo, agosto 25

Mais uma derrota

 

Uma vez por outra é coincidência, mas acontece também que o Cardoso telefone dias antes, e então, sempre às sextas, encontramo-nos na esplanada do café do italiano perto do supermercado. Dois idosos que fazem levantar as sobrancelhas aos circunstantes, tanto porque a surdez nos obriga a falar um nadinha alto demais, mas também porque a língua que ouvem vagamente lhes recorda férias passadas qualquer parte no sul.

Desta vez telefonou quinta à noite, a certificar-se que nos encontraríamos. Chegou pontual, mas aquele sorriso não era o costumeiro, servia de máscara a qualquer coisa que o perturbava, e ele, à maneira de intróito, apontou para o jornal ao pô-lo na mesa.

- Perdemos com a Albânia!

Dá-se o caso que, embora amigos de longa data e ambos partilhando alguns interesses, o futebol que para ele é paixão, em mim desperta a vaga curiosidade de um cabeçalho no jornal sobre um hat trick de Ronaldo, e pouco mais.

- Então perdemos com a Albânia? – arrisquei eu.

O tom era fingido, e com algum descaro ainda perguntei onde tinha sido o jogo, se fora grande a diferença de golos.

Encarou-me ele com uma expressão em que misturava a surpresa e genuíno desânimo:

- Não houve futebol, homem de Deus! É o turismo! A Albânia vai-nos dar cabo do Algarve! Este ano já não será, mas as promessas são pouco animadoras. E como os turistas e ovelhas são do mesmo... Lê isto.

O artigo do jornal – a “peça”, em portinhol moderno – era todo o contrário de uma necrologia. Anunciava em tom bombástico ser a Albânia agora, e no tempo a vir, o destino ideal para as férias. Natureza espectacular, paisagens de tirar o fôlego, praias vazias de banhistas, “locais” muito prestáveis, sorridentes, de cortesia extrema.

- Estás a ver?  Digo-to eu, vamos perder o Algarve como dois e dois serem quatro!