terça-feira, agosto 31

Se Portugal fosse pessoa

 

Meu caro Portugal,

Dizem-me que mais uma vez está você em maus lençóis, mas essa é, creio eu a opinião dos que o conhecem mal a sua História. Tanto quanto sei, e para falar apenas da experiência dos meus quase oitenta anos, você raro esteve em bons.

Recorda o que lhe aconteceu depois dos Descobrimentos? Lembra-se do Volfrâmio? Tem presente como há vinte e poucos anos se deixou ir no vigário de que para ser feliz e rico bastava fazer-se pequenino e chupar as tetas da UE? Porque os gajos eram mesmo burros e você esperto sem igual?

Que fez com os milhares de milhões que lhe deram para que crescesse e melhorasse? Descanse, não vou esfregar sal nas feridas, mas para quê esses estádios, essas auto-estradas, as inúmeras e inúteis Casas da Cultura em terra de analfabetos? Não se envergonha do quarto miserável que em sua casa é o Nordeste transmontano?

Deram-lhe fortunas para aplicar no bem comum, gastou-as você, pobre novo-rico, em relógios de ouro, Mercedes, Jaguars, e reformas milionárias, esquecendo que um terço dos seus familiares não tem dinheiro para aquecer o lar no inverno, que são sem conta os miseráveis, os desesperados, os que sofrem porque ninguém lhes acode na doença e morrem sem amparo.

Entretanto, você, meu caro Portugal, dança no Rock in Rio, esbanja dinheiro que não é seu para se embasbacar com a Red Bull Air Race, gasta em férias exóticas o sustento dos seus filhos. Já alguma vez lhe passou pela cabeça que o que paga pelos almoços de gourmet em restaurantes chiques é tirado da boca dos seus?

E diga-me: que cara devo pôr quando aqui onde vivo, sabendo-me português, me apontam e se riem, me envergonham dizendo de si as verdades cruas? Já nem o comparam às repúblicas bananeiras, que essas são de longe, não pertencem à Europa, mas colocam-no numa categoria à parte, a dos trafulhas, (*) os que sabem que um dia virá em que inevitavelmente se descobre a trafulhice, o que pouco importa, porque lhes falta vergonha na cara e outros terão de pagar o desfalque.

Poupo-lhe o que me contam da sua Justiça, da suas autoridades, das quadrilhas e camarilhas que, fingindo governá-lo, lhe sugam o que tem e o que lhe emprestam.

Para mim, meu caro Portugal, e isso desde que nos conhecemos, você sempre foi uma dor. Mesmo naquele momento de euforia dos cravos não pude esquecer quem você é e como sempre se comporta. Quer acreditar que não dei vivas? Em coisa de meses já as quadrilhas e as camarilhas se deitavam ao bolo, deixando ao povo dois ossos: o da democracia e o da liberdade, ambos fraco sustento para quem tem fome.

Muitos anos passados, com um humor que escondia o pesar, sugeri que, para o salvar de si próprio, um consórcio de nações o comprasse e transformasse numa reserva. Mas nesta altura creio que ninguém o quererá, mesmo dado. Teremos de continuar a suportá-lo nós, seus maltratados e desprezados filhos, da mesma maneira que fazemos há séculos: mourejando no chão de pedras ou indo amargar em terra alheia.

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(*) The Garlic Belt (A Zona do Alho) em europês.

(**) Este texto é de 02/02/2010.

segunda-feira, agosto 30

O espírito de Maria Antonieta

Dentro do possível esforço-me por evitar a avalanche de informações, opiniões e discussões sobre o estado da nação. É que mais do que aborrecer, desgosta-me a abundância de certezas, ideias justas, soluções, pontos de vista correctos, acusações definitivas, o deitar culpas, o apontar nos outros defeitos e injustiças.

Entristece pela inutilidade, o vazio. É divertimento dos senhores e senhoras das classes médias: classe média baixa, classe média média, classe média alta. Nem tido nem achado,  o Zé Povinho fica de fora, que para ele não há lugar no divertimento, nem sequer é assunto do mesmo, a pontos que me pergunto de que ilusões se alimenta essa gente. Em que país vive? Que país quer? Que país constrói?

Será preciso repetir que Portugal é de todos nós? E o que sempre acontece quando alguns se  julgam mais iguais do que os outros?