sexta-feira, agosto 6

A bailarina e o anão

 

Como não aprendi ofício nem estudei ciência sofro de um complexo de inutilidade. Pergunto-me que é isto das Letras onde me meti, a importância que lhe dão, as vaidades que causa, as esperanças nado-mortas que a tantos afligem.

O escrever de romances, novelas, colunas e contos tornou-se um alinhavar de palavras, algumas vezes com sentido, no geral sem jeito nem nexo, abundante em dislates. Os escreventes – escritor é mester obsoleto e cansativo – empurram-se, gritam, esbracejam, redigem em minúsculas e sem pontuação, a mostrar como são diferentes, geniais e vanguarda. Produzem, produzem, pouco importa o quê.

Há dias, com o intuito de que esqueça a nostalgia e aprenda em que mundo ando, meteram-me em mãos um romance – holandês, setecentas páginas, poucos pontos, raras vírgulas – que começa pela demorada violação de uma bailarina alemã por um anão russo, seguindo-se umas sessões de canibalismo,  o detalhe de várias torturas numa cadeia sérvia, uma fuga em batíscafo, e mais cenas assim.

Na página oitenta e sete parei. A bailarina está a recuperar em Phuket, espiada por um chinês que a vendará como escrava a um chefe Taliban.

Cinquenta mil o compraram já. O comércio afere pelo volume, como é seu dever, e o volume está na massa. A  massa dos semi-analfabetos que procuram na leitura o complemento da masturbação.