A memória é o meu algoz, tão
eficiente no martírio que se interpõe em quase tudo o que me ocupa, companheira
fiel, repórter especializado em recordar mentiras, maus passos, perdas,
trambolhões que gosto de atribuir ao Destino mas foram culpa minha, errâncias
que fiz na ilusão de que a bússola aponta sempre o norte, sem dar conta de que
não ia a parte nenhuma mas andava em círculos como o animal que puxa a nora.
Às vezes brinca comigo dizendo
que basta de tortura, me vai deixar em paz, e como se a vida nada me tenha
ensinado acredito logo, nem precisa de dizer palavra de honra ou que jura a pés
juntos, e vendo-me desprevenido é quando aperta mais o garrote e força a que
não tire os olhos do ecrã onde passam as imagens que não quero ver, as cenas
que desejo apagar, as palavras que me
arrependo de ter dito, as promessas que não cumpri.
Negando-me a paz, a memória lembra-me como são inseguras as certezas que tenho.