quarta-feira, maio 27

O meu algoz


A memória é o meu algoz, tão eficiente no martírio que se interpõe em quase tudo o que me ocupa, companheira fiel, repórter especializado em recordar mentiras, maus passos, perdas, trambolhões que gosto de atribuir ao Destino mas foram culpa minha, errâncias que fiz na ilusão de que a bússola aponta sempre o norte, sem dar conta de que não ia a parte nenhuma mas andava em círculos como o animal que puxa a nora.
Às vezes brinca comigo dizendo que basta de tortura, me vai deixar em paz, e como se a vida nada me tenha ensinado acredito logo, nem precisa de dizer palavra de honra ou que jura a pés juntos, e vendo-me desprevenido é quando aperta mais o garrote e força a que não tire os olhos do ecrã onde passam as imagens que não quero ver, as cenas que desejo  apagar, as palavras que me arrependo de ter dito, as promessas que não cumpri.
Negando-me a paz, a memória lembra-me como são inseguras as certezas que tenho.