quinta-feira, maio 21

As passas do Algarve

“Uma manhã de Inverno, paralisado por um sobretudo, arfando
com o peso de uma pasta de amostras, vejo-me a subir
uns degraus de ferro das fábricas Werkspoor, pelo lado de fora,
entenda-se, trinta metros acima da água dum canal, com a ajuda
de mão e meia, seguindo um contramestre que me queria
mostrar uns buracos no telhado.
Tinha começado a minha aventura com o revestimento de
asfalto líquido para telhados, que durante dois anos me iria levar
a cruzar a Holanda em quase todos os sentidos e a pôr em
contacto com uma espécie de gente difícil de igualar: a da construção.
Atanazado pela pobreza, acossado pelo fisco que me pretendia
rico e me apresentava intimações de milionário — o recebedor
das Finanças a recomendar-me que entregasse a minha defesa
a um consultor fiscal, eu que mal teria dinheiro para mandar
tocar um cego, se os cegos aqui precisassem de tocar — aceitara
o primeiro emprego em que me tinham aceitado.
Além da tal pasta de amostras já referida, recebera um manual
do perfeito vendedor onde, entre outras coisas e à laia de
estímulo, se recomendava considerar que os telhados, expostos
às intempéries, necessitam de reparações anuais, mensais, semanais!
E que cada buraco causado por cada pedra de granizo
era um ganho potencial. Ocupado em cálculos — eu, que ainda
conto pelos dedos — parava-me abismado diante da Centraal
Station de Amsterdam, sonhando quanto se poderia ganhar
com um telhado gigantesco como aquele.”

In Com os holandeses, pág. 25

Hoje o acaso fez-me encontrar prova de que durante dois anos consegui ganhar para o comer e um pouco mais:

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