domingo, julho 30

O lacaio do Manhoso-Mor

 

No que respeita sujeitos desta espécie ponho um forte travão ao que me vai na cabeça, pois um descuido, ou se deixo que leve a melhor a fúria que me causa a idolatria deste imbecil, só a falta de forças da muita idade me impede de – como em Português arcaico se dizia -  passar a vias de facto.

Será caridade acudir-lhe depressa, porque só pode ser doença. E doença grave. Não das que levam de repente à cova, antes das que minam devagarinho o espírito, dando visões. Com má sorte terminam no desvario total da cabeça e encerramento na ala dos furiosos.

Semelhante caso de idolatria raro se vê. Comparados com ele, os Yesmen que orbitam em redor do Manhoso um degrau abaixo, e o incensam, sorriem quando ele sorri, parecem crianças de infantário a agradar à menina que os guarda.

Aos seus olhos o Manhoso-Mor nunca mente, nunca mentiu, jamais mentirá. Encarna a virtude e a justiça, o amor ao Povo – sim, com maiúscula. Para ele este novo Grande Timoneiro, além de nos ter salvo, é em carne e osso a certeza futura de dias felizes, do mágico sol que brilhará para todos nós e para sempre. São tantos os milagres que já lhe viu obrar, se mandasse ele fazia-o santo sem passar por beato.

Apresentam-se a este singular lacaio evidências em contrário dos actos e feitos do adorado? Cem evidências? Mil? Reage ele com um desdenhoso piparote dos dedos, e um ainda mais desdenhoso arreganhar dos beiços. Porque só um verme da espécie mais baixa recusa compreender as beneméritas intenções do Máximo. É preciso ser-se escória para desdenhar da grandeza dos seus planos, da argúcia que usa ao leme da caravela que, fôssemos melhores e mais agradecidos, há muito nos teria levado a bom porto.

É um caso e mete pena. Preferia que me fizesse zangar ou obrigasse a rir, mas não consigo.