Sorri muito quando se encontram, beija-a nas faces, por vezes agarra-a carinhosamente pelo braço, mas enquanto trocam palavras de circunstância ressoa-lhe no íntimo a mesma ideia: "Um dia destes vais prà cama."
Não compreende aquilo. Por certo é bonita, atraente, tem cabeça, mas são muitas as falhas. Sabe da têvê e moda mas não lê um jornal, livros só deve ter pegado nos que precisou para o curso, e esses não a prepararam para uma conversa que ultrapasse o comezinho.
Há ainda o particular das pernas. Olha-as e acha que, embora aceitável, a forma tem algo de plebeu, uma grossura que as desfeia. Porém, de certo modo compensa-as o traseiro, bonito e firme, a pele aveludada, o esplendor do sorriso, as promessas do decote.
A diferença de idade – ela meados os vinte, ele a chegar aos setenta e cinco – deveria ser travão bastante, e de facto acontece-lhe rir de si próprio, prometer que se continua assim vai ao psiquiatra. Mas a verdade é que mal a vê, beija, segue com o "tudo bem?", e logo a voz interior acende o desejo, reprime-se para não lamber os beiços, faz o que pode para ocultar o cio atrás da neutralidade da conversa.
- É estupidez, não é?
Para não me dar ares de sisudo, encolho os ombros, faço um gesto vago que o leva a continuar:
- Na minha idade devia ter juízo, mas estou certo que desejando uma coisa com bastante força ela acontece. Tenho muita fé nisso.
- Estás a brincar.
- Não estou.
Dias atrás no café. A rapariga toda sorrisos, ele apontando-lhe o dedo, nos olhos um brilho do hipnotizador, eu a fantasiar o que lhe diria.
Pouco depois vi-a acenar o adeus, ele veio até mim, passo lento, a boca em quarto minguante.
- E então?
- Não vais acreditar.
- Acredito.
O que me segredou é daquelas pauladas que um reformado não esquece, mas não o cura do sonho de querer levá-las prà cama.