domingo, julho 16

À espera de Godot

 

O que agora só de longe a longe acontece, porque as pernas nem sempre obedecem ao que lhes mando, dias atrás sentei-me numa esplanada da vila a fazer horas para o almoço.

Olhares vagos, caras aborrecidas, corpos fatigados, conversa em sussurros, umas trinta pessoas na meia-idade em mesas de duas e três, a atitude de quem espera o improvável Godot, o personagem que nunca chega. Seguiam com os olhos um ou outro carro, um ou outro cão que se arrastava do sol para a sombra.

Ao anoitecer voltei à esplanada. Quase a mesma gente, o mesmo vazio no olhar, as caras mostrando igual aborrecimento, os corpos curvados agora num pouco mais de fadiga. De vez em quando uma frase, um murmúrio.

Sento-me. Oiço alguém dizer:

- Uma água!

O empregado, a mão apoiada à ombreira do café, parece despertar.

- E mais duas bicas – diz a mesma voz.

O rapaz leu nos meus lábios que lhe pedia cerveja, acenou um sim, e a passo arrastado  desapareceu no estabelecimento.

A carrinha fez mal a curva, galgou o passeio, duas vezes em marcha atrás lá se endireitou. Uma mão a segurar a bengala, com a outra tacteando o chão, um idoso senta-se às arrecuas na escada do tribunal. O taxista acendeu um cigarro, diz qualquer coisa aos colegas e ficam a olhar o céu. Um deles afasta-se do grupo, tira um pano da mala do carro, sacode o pó do pára-brisas, passa-o lentamente pelos faróis, o cromado, e outra vez pelos faróis. Sacode-o, dobra-o, fecha a mala, atira com o cigarro.

- O ar mudou! Se não me engano vem aí trovoada.

A mulher na mesa ao lado sorri-me ao dizer aquilo, concordo com um aceno, ela volta-se para a amiga e segreda qualquer coisa, ao mesmo tempo que lhe mostra o que tirou da bolsa.

Bebo o resto da cerveja, levanto-me, vou-me dali com a impressão de deixar um palco onde se representava uma peça de melancolia e desespero.