Personagem de excepção, agora que foi libertado recordo o que em 2013 sobre ele escrevi em Mentiras & Diamantes:
“Pouco resta em Antuérpia do ambiente
da zona da Pelikaanstraat, que no passado fazia recordar o romantismo dos
livros de Malamud, Bashevis-Singer, Potok, e dos quadros de Chagall, dando
ideia de uma réplica inocente da sjtetl (aldeia) judaica da Europa Oriental,
com os seus hábitos particulares, os trajes, a música kletzmer, as tradições, e
guardando estritamente o sjabbat.
Hoje é um lugar de medo, violência, racismo, prostituição, assassinatos, e dos
três principais grupos que a habitam — judeus da Geórgia, chassídicos, judeus
não ortodoxos — cerca de
25 000 pessoas, os primeiros vão lenta, mas eficientemente, levando a melhor
sobre os restantes.
É entre esses que surgem «padrinhos» que quase reduzem o Padrinho de Marlon
Brando a uma figura ingénua, e com a diferença de que as suas acções não se
limitam a uma cidade
ou país, mas são à escala do globo.
Tomemos Leonid Minin (n. Odessa, 1947). Preso na adolescência por chantagem,
nos anos 70 emigrou para Israel, regressando depois da queda da União
Soviética. Começou por nego-
ciar em petróleo, mas logo acrescentou as madeiras, metais e têxteis, armas,
droga e o branqueamento de capitais. Entre os seus sócios contam-se criminosos
de topo como Vladimir Missyurin, Alexander Angert, «O Anjo», ambos liquidados
na Bélgica em 1994, e Boris Fastovsky, raptado em Amsterdam e cujo corpo nunca
foi encontrado.
Persona non grata na Suíça, no Mónaco e em França, Minin foi considerado
neste último país figura proeminente da criminalidade internacional e um dos
líderes da chamada «Máfia
de Odessa». Na Bélgica foi arguido em dois casos, sendo suspeito no assassinato
de Missyurin e de, para obter um visto de residência permanente, subornar um
deputado, pagando-lhe 200 000 dólares. Como personagem ficaria a calhar num
filme de Tarantino. Em Agosto de 2000 foi preso na vizinhança de Milão, no
momento em que, no seu hotel, na companhia de quatro prostitutas, festejava a
realização de um bom negócio.
Daí levou a Polícia 58 gramas de cocaína, diamantes no valor de 500 000
dólares, 150 000 dólares em notas, e documentos sobre os seus interesses
financeiros e as actividades que desenvolve no comércio ilegal de diamantes,
armas, madeiras e petróleo.
Igualmente espectacular é a carreira do misterioso Viktor Bout (1967). Nasce em
Dushanbe, a capital do Tajiquistão, e em 1991 termina o estudo de línguas
estrangeiras no prestigioso Instituto Militar de Moscovo. Aproveitando as reformas
e privatizações iniciadas com o governo de Ieltsin, entra no negócio de armas,
comprando a oficiais corruptos armamento do exército soviético, vendendo-o a
baixo preço aos países africanos e sul-americanos. Torna-se difícil, se não impossível,
deslindar quais das suas actividades eram legais ou ilegais, pois Viktor Bout
combinava com sucesso as das suas companhias de aviação e o comércio de armas e
munições. Ao mesmo tempo financiava o transporte de forças belgas das Nações Unidas para a Somália, dos contingentes para Timor--Leste e — belo golpe
para um criminoso de alto calibre — o transporte de tropas americanas para o
Afeganistão e o Iraque. Durante a sua estadia na Bélgica era considerado «o
maior negociante de armas do mundo». Em Ostende estabeleceu uma companhia de
aviação, a TAN (Trans Aviation Network), e daí dirigia negócios com Angola, a
Libéria, o Ruanda e a Serra Leoa.
A sua enorme rede de contactos cobria a Europa Ocidental e Oriental, a Rússia e
a África, mantendo relações de amizade com vários líderes políticos, sobretudo
nos países africanos,
contando-se entre eles, Mobutu no Zaire, Charles Taylor na Libéria, Kaddafi na
Líbia e Ahmed Shah Massoud no Afeganistão. Em 2002 foi acusado pela justiça
belga e pelo Governo dos Estados Unidos de, no período 1994-2001, ter procedido
ao branqueamento de 325 milhões de dólares. A sua carreira, todavia, parece
mostrar mais afinidade com a ficção de Hollywood do que com a realidade. Assim,
quando o Governo americano comunicou ao Ministério dos Negócios Estrangeiros
russo que havia um mandado internacional de captura de Viktor Bout, inquirindo
se o mesmo se encontrava na Rússia, a resposta foi negativa. Nesse mesmo dia,
em Moscovo, dava ele uma entrevista live numa estação de rádio.
Mas a sorte e os bons amigos parecem tê-lo abandonado: em Março de 2008 foi
preso em Banguecoque. Extraditado para os Estados Unidos, em Abril de 2012 foi
condenado a 25
anos de prisão, a pena mínima para os crimes de que é acusado.”
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in Mentiras & Diamantes – Quetzal 2013