Há diários importantes, e os que são apenas interessantes. Há-os íntimos,
alguns dolorosamente francos, outros mascarados. Os que são escritos para
ferir, e os que são escritos para recordar.
O meu, suponho, cabe mal nas categorias acima, pois menos que uma anotação de
factos e pensamentos, o vejo, sobretudo, como um anseio de conversa.
A conversa que me imagino a ter com alguém de carne e osso, numa dessas
amizades com empatias sincrónicas e harmonias duradouras. Amizades ideais que
de certeza alguns ressentem e mantêm a vida inteira, mas que a mim não
couberam. E nesta altura é improvável que me venham a caber, pois a idade -
pelo menos no meu caso - à medida que aumenta a impaciência e o sentido crítico,
vai reduzindo a capacidade de desculpar.
Que isto é meio caminho andado para a solidão, sei-o há muito. Mas tanto quanto
dela tenho experiência, também aprendi que os males da solidão são relativos,
pois com livros e fantasia é que se criam mundos à medida do nosso sonho. O que
não impede que o sonho seja faca de dois gumes: nas satisfações que dá pesa
sempre a impossibilidade e, ao acordarmos dele, a ânsia do que se não possui ou
se não alcançou dói ainda mais fundo.