O Rogério tinha-o apontado na agenda: por volta das cinco da tarde de 11 de Agosto, uma terça-feira, para no caso de vir a acontecer o pior poder informar os médicos do momento exacto em que tinha sentido uma tosse seca que a cada espasmo lhe tirava o ar, julgando que fossem os primeiros sintomas do covid,.
Embora assustado conseguiu manter a calma e na quarta à tarde, quando o examinaram, foi um alívio: não era o vírus nem nada de grave, uma irritação dos pulmões, enfraquecidos por ter fumado demais, que logo passaria se tivesse cuidado e durante uns dias ficasse em casa.
Esse durante uns dias vai em seis meses, porque se a tosse passou com os comprimidos do médico, sofre desde então de um acumular de sentimentos desencontrados, que ora o fazem cínico e triste, para de seguida ser acometido por medos que ele próprio reconhece como irracionais, mas lhe desgastam a resistência ao ponto que, tal um zombie, se fecha no quarto durante horas, proibindo que a mulher o incomode e até, o que já aconteceu umas quantas vezes, dizendo-lhe que durma no quarto que era do filho, depois explicaria. Mas a explicação nunca veio, nem ela se arrisca a pedi-la, porque da vez que lhe lembrou a promessa o viu reagir como que perdido da cabeça, desatando a atirar com o que tinha à mão e a correr do quarto para a sala, da sala para a cozinha, dali para a varanda, ela a temer que começasse numa gritaria e desse escândalo, ou os vizinhos fossem pensar o pior e chamassem a Polícia.
Demorou a acalmar e finalmente, embora com o modo agastado que às vezes é o seu, explicou que não se sentia bem, aquilo eram nervos, havia de passar. Então a D. Zinha, julgando que dava um bom conselho, sugeriu que em vez de ficar em casa à espera de melhoras, talvez fosse preferível consultar um psiquiatra, um… Ó palavra que disseste! Felizmente, ao contrário do que esperava o marido manteve-se calmo, pelo menos na aparência, exagerando até a lentidão com que se levantava e voltando-lhe as costas, desapareceu no quarto.
Desde esse momento continua fechado e se necessita de qualquer coisa manda-lhe emails ou usa o telemóvel, o que faz também para avisar que precisa de ir ao quarto de banho, por isso fique ela na cozinha.
É de louco, dirão os insensíveis, e talvez seja, mas à força de tantas notícias de tragédia ao pobre Rogério resta uma certeza: pode metade do mundo escapar à pandemia, mas ele foi marcado, a sua hora não tarda, a tosse seca e os pulmões sem ar foram mais do que um aviso.