domingo, março 17

Isto acaba mal


Acontece de longe a longe, mas o Fernando Alpedrinha arrelia-se cada vez que um ou outro gracioso lhe recorda o personagem queirosiano. Não fosse senão porque sendo ele há vidas um respeitável farmacêutico, desconfia das intenções e não compreende o gozo dos que, pela coincidência do nome, lhe vêm com a figura do pelintra que acabou a vender odres de água nas ruas de Jerusalém.
Falávamos disso, falávamos do sabor de uma boa chanfana e da pitoresca dicção do Primeiro Ministro, falávamos de como certas situações são mel para os vários oportunistas, e a que ponto eles se rebaixam para tentarem alcançar os quinze minutos de fama de que Andy Warhol falava em 1968, e hoje nem quinze segundos são.
Como não podia deixar de ser falávamos também das questões de violência doméstica, uns a favor do pobre juiz, lamentando os apertos em que se vê por querer interpretar a lei a seu modo, outros dando mostras de insuspeitada crueldade, rosnando que o mínimo que merece seria desfazer-lhe a cabeça à força de pauladas de uma moca cravejada de pregos.
O Alpedrinha sorria, de vez em quando encolhia os ombros mas não tomava partido, tinha mesmo afastado um pouco a cadeira como quem se aborrece, e só depois, tudo já calmo, perguntou se nos lembrávamos da frase do banqueiro que na crise de 2013 afirmara que o nosso povo ‘Aguenta, aguenta!”
Disse então que era a isso que queria voltar, porque no meio de toda a bandalheira da violência doméstica, da política, da corrupção, das feministas, e da mariquice das igualdades, tinha a certeza que em as coisas chegando a certo ponto o povo não aguenta. E com um modo grave que não lhe conhecíamos, jurou que às vezes se pergunta se o povo português será de facto tão manso como supõem os vários Donos Disto Tudo, ou se vem isso do seu natural carinho e precisa de tempo, muito tempo, até que finalmente rebenta, perde as estribeiras, e então vem à tona a sua natureza subterrânea, que por ser excessiva na ferocidade o torna irreconhecível.
Ouvíamo-lo calados, surpresos também, porque regra geral é de poucas falas e raro se mostra entusiasmado pelo que quer que seja, mas ele ainda não tinha terminado:
- Todo esse berreiro é fandango, parece revolta mas não é, são merdices de alfacinhas. O Zé Povo ouve o paleio, olha para a TV e está-se nas tintas, aquilo não é com ele. Sabe demais que nenhum desses betinhos os tem no sítio para lhe dizer de caras que não bata na Amélia. Venha um que se atreva e temos aí uma Maria da Fonte. Isto acaba mal.