Acontece de longe a longe, mas o Fernando Alpedrinha arrelia-se
cada vez que um ou outro gracioso lhe recorda o personagem queirosiano. Não
fosse senão porque sendo ele há vidas um respeitável farmacêutico, desconfia
das intenções e não compreende o gozo dos que, pela coincidência do nome, lhe
vêm com a figura do pelintra que acabou a vender odres de água nas ruas de
Jerusalém.
Falávamos disso, falávamos do sabor
de uma boa chanfana e da pitoresca dicção do Primeiro Ministro, falávamos de
como certas situações são mel para os vários oportunistas, e a que ponto eles
se rebaixam para tentarem alcançar os quinze minutos de fama de que Andy Warhol
falava em 1968, e hoje nem quinze segundos são.
Como não podia deixar de ser
falávamos também das questões de violência doméstica, uns a favor do pobre juiz,
lamentando os apertos em que se vê por querer interpretar a lei a seu modo, outros
dando mostras de insuspeitada crueldade, rosnando que o mínimo que merece seria desfazer-lhe a cabeça à
força de pauladas de uma moca cravejada de pregos.
O Alpedrinha sorria, de vez em
quando encolhia os ombros mas não tomava partido, tinha mesmo afastado um pouco
a cadeira como quem se aborrece, e só depois, tudo já calmo, perguntou se nos
lembrávamos da frase do banqueiro que na crise de 2013 afirmara que o nosso
povo ‘Aguenta, aguenta!”
Disse então que era a isso que
queria voltar, porque no meio de toda a bandalheira da violência doméstica, da
política, da corrupção, das feministas, e da mariquice das igualdades, tinha a
certeza que em as coisas chegando a certo ponto o povo não aguenta. E com um
modo grave que não lhe conhecíamos, jurou que às vezes se pergunta se o povo
português será de facto tão manso como supõem os vários Donos Disto Tudo, ou se
vem isso do seu natural carinho e precisa de tempo, muito tempo, até que
finalmente rebenta, perde as estribeiras, e então vem à tona a sua natureza
subterrânea, que por ser excessiva na ferocidade o torna irreconhecível.
Ouvíamo-lo calados, surpresos também,
porque regra geral é de poucas falas e raro se mostra entusiasmado pelo que
quer que seja, mas ele ainda não tinha terminado:
- Todo esse berreiro é fandango,
parece revolta mas não é, são merdices de alfacinhas. O Zé Povo ouve o paleio,
olha para a TV e está-se nas tintas, aquilo não é com ele. Sabe demais que
nenhum desses betinhos os tem no sítio para lhe dizer de caras que não bata na Amélia.
Venha um que se atreva e temos aí uma Maria da Fonte. Isto acaba mal.