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Teria dez anos, deve ter sido na Primavera de 1940 que em Gaia, no que era então um areal defronte do convento de Corpus Christi, se instalou um circo francês que, com armas, bagagens, artistas e animais, tinha escapado à guerra.
Foi o meu primeiro circo de verdade, pois até então só os
conhecia dos romances e de ouvir dizer. Pasmei-me com os trapezistas, os
malabaristas, as feras, as trombetas, as lantejoulas e, maravilha, de perto e
pela primeira vez de verdade, quase toquei mulheres que pareciam nuas, coisa
que só conhecia de desenhos e más fotografias a preto e branco.
Dos palhaços não gostei, como não tinha gostado dos bobos
nem dos jograis nos romances de Herculano, figuras disformes, repelentes, com
trejeitos manhosos e de uma sabedoria oca. De verdade, fora a grande surpresa desse
primeiro, o circo deixou de me interessar como espectáculo, idem os bobos.
Infelizmente, para o meu e o desconforto de cidadãos sem
conta, a vida política nacional tomou a aparência de um circo reles, onde
parecem multiplicar-se os palhaços boçais que peidam, arrotam e acham
"fina" a própria obscenidade.