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Conhecemo-nos desde toda a vida, a dela, pois tinha apenas dois dias dos trinta e um anos que festejou há pouco. Separa-nos mais de meio século.
Por razões várias assumi o papel dos avôs que lhe
faltaram ainda pequenina, acrescido do de mentor, já que os pais –
"querendo viver a vida em pleno" - cedo se descartaram do trambolho,
e no vestuário, na aparência, nos ideais, chegados aos sessenta continuam a
assegurar que Woodstock foi um momento alto da civilização ocidental, o Rock 'n Roll tornou caducos Bach, Beethoven,
Mozart e semelhantes, Maria Callas não chega aos calcanhares de Janis Joplin, e
assim por diante.
Nosso Senhor continua a favorecê-los, os montes de acções
da Shell e da Unilever facilitam o resto.
Simples acaso, não por meu intermédio, a rapariga casou
com um português, vive a duas horas de Estevais, umas quantas vezes juntamo-nos
para almoçar, pondo em dia o nosso afecto e as andanças da vida.
Assim foi dias atrás, mas triste momento. Marido, filhos,
saúde, trabalho, nada lhe corre bem e, sendo seu "avô", quis saber de
mim como lido com os meus percalços, se ajuda o ter paciência.
Não a enganei com o estafado tudo passa, porque da
desilusão e do sofrimento restam sempre cicatrizes. Cicatrizes feias e fundas,
as que doem em permanência.