É vontade que com frequência me dá e passados uns
instantes de reflexão logo afasto, ciente de que o resultado seria funesto.
Desconcerta-me a violência e a disparidade dos meus
sentimentos para com a terra em que nasci, as raivas que ela me causa, como se
em vez de um lugar, um território e uma sociedade, Portugal fosse gente, ora um
sujeito que me dá vontade de insultar e agredir, ora criança que em mim
desperta insuspeitados carinhos.
Vejo-o de longe e assusta-me a frieza com que disseco o
seu funcionamento, o sarcasmo que me provocam os governantes, os vários donos
daquilo tudo, os jeitos, as luvas, o fatalismo, a subserviência para com os que
estão acima e o desprezo para com os que dependem; o medo generalizado, os
brandos costumes, o respeitinho, aquela inveja que de tão extraordinária e
geral parece ser genética, idem a sornice, o deixa para amanhã, a fatuidade, o
valor das aparências, o gosto da rasteira.
Mas depois, muito português que sou e protegendo-me de
mim próprio, logo procuro razões de brandura e desculpa, fecho um bocadinho os
olhos, embalo-me com a esperança de amanhãs que espero há muito, mas ainda nunca
vi chegar.