terça-feira, abril 5

Quasimodo


Grande aflição dá por vezes a alguns o corpo com que nasceram. Tem ele a bênção da inteligência, um sentido estético dos mais apurados, manobra com à-vontade da fortuna naqueles círculos que o vulgo chama da alta. Porém, com todos esse motivos de satisfação, o físico com que nasceu fez dele um ser azedo, o espelho é o seu tormento.
A cabeçorra, o ar de anão empertigado que lhe dá o tronco, barriguinha, pernas curtas e cambadas, houvesse cirurgia para tal, ele há muito se teria composto. Infelizmente não há. Infelizmente também, deixando que se lhe desligasse a inteligência, supôs que o casamento com mulher bonita e elegante o aliviaria da insatisfação com o próprio arcabouço.
Saiu-lhe errado o cálculo, mais venenoso se tornou o seu modo, quasimodescas as  carrancas. Muitos anos atrás virou-se para a as Letras. Poesia e ensaio, história, crítica, conto, romance, todos os géneros tenta, em todos não passa de mediano, mas é incensado, citado como referência, fazem-lhe rapapés, que os colegas não são tolos e louvar nada custa.
É vulto da Literatura. Pequenino, mas vulto. E morde como só as víboras sabem.
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PS. Não procure. Não é da nossa praça.