segunda-feira, abril 25

António


Estranho caso, o deste homem nascido à beira-mar, logo de miúdo incapaz de decidir um rumo. Andou em viagens e aventuras, por três ou quatro vezes teve a riqueza à mão, mas, chapa ganha, chapa gasta, esbanjou tudo. Os palacetes que fez foram caindo aos pedaços, a roupa de marca usa-a agora com remendos, os cavalos e os Ferrari foram para a penhora, no super-mercado conta as moedas antes de comprar asas de frango. Encostado ao balcão ainda pede uma bica com o ar desenvolto de quem tem pressas e afazeres, mas dali vai sentar-se no jardim, à espera que as horas passem.
Teme a volta a casa. Ora são os homens do fraque, ora as intimações do tribunal e dos credores, ameaças de despejo. Dias atrás levaram-no à força para um escritório e não ousa recordar os insultos que lá ouviu. Caloteiro, madraço, pelintra, vigarista, os punhos ameaçadores quase a tocar-lhe o rosto. Pediram-lhe contas, disse que não sabia. Quiseram que explicasse, respondeu que esquecera.
Quando lho mandaram saiu às arrecuas, na atrapalhação enganou-se na porta, os ouvidos a rebentar com a gritaria e as pragas que lhe rogavam.
Juraram-lhe: ou paga ou dão cabo dele, os filhos vão para Casa Pia, acaba na rua a pedir esmola.
Toma-o o medo de que começou a endoidecer. Dias atrás, na esquadra, quando lhe perguntaram o nome respondeu que não sabia, tinha esquecido.
- Então não sabe como se chama?
- Não sei. A minha cabeça já não dá. Mas ponha aí Portugal. António Portugal.