Mau hábito de que não me curo, este de pedir desculpa quando a vontade é começar à bordoada, mas desta vez nada de vénias ou cortesias, a personagem de tal modo e há tantos anos me mexe com os nervos que tenho de lhe pintar o retrato.
Entre os povos do sul passaria por anã. Na Holanda onde nasceu, terra de gigantes, mesmo com tacões desmesurados o seu pouco mais de metro e meio coloca-a entre as crianças. Com o cigarro constantemente nos lábios, o penteado punk, a voz rouca, dois livros que se venderam bem, a senhora é figura na cena literária, pontifica a torto e a direito, toma os ares de Simone de Beauvoir après la lettre.
Encontrámo-nos uma única vez anos atrás e não chispou entre nós a faúlha da simpatia. Bem ao contrário. Foi de parte a parte uma aversão instintiva, o meu metro e sessenta e pouco suportando mal aquele metro e meio de extrema vaidade, jactância e auto-satisfação.
Entrementes, para além do êxito literário, aconteceu-lhe ter casado, e posteriormente enviuvado de dois homens que, um no jornalismo, o outro na política, eram na sociedade holandesa figuras de algum relevo. Pobres defuntos, esses dois. Já em livros, revistas, entrevistas e televisões tínhamos sido postos ao corrente das suas proezas e acrobacias na cama, e como ela, gritando, arranhando, mordendo, urinando e defecando, delirava nos orgasmos. Mas agora, a lubrificar o mercado para um novo livro, aparece na televisão esmiuçando recordações sobre "o potente membro" do último marido e a fome que sente das horas passadas em "luminoso êxtase".
Deveria eu ocupar o tempo em coisas mais elevadas? Pois deveria. Aquele detalhe do metro e meio da senhora também era escusado. E assim, sem me dar conta, recaio no mau hábito de pedir desculpa. Ninguém é perfeito.