Porque tenho um longo conhecimento dos meus defeitos, sei que possuo um baixo nível de paciência para comigo mesmo e para com o meu semelhante. Sou capaz de me mostrar atento e de, como se diz, ir aguentando, pôr uma aceitável cara, consigo até ocultar razoavelmente a aproximação do momento de fervura.
Um santo de certeza faz melhor, mas a minha virtude não vai muito além da força e das intenções que tenho.
Chovia, os cães ladraram à aproximação do estranho nesta quelha de três casas, o senhor quando me viu nem tempo se deu de dizer quem era: pronto anunciou que vinha de longe para trocar umas ideias comigo. A sua intenção tinha sido aparecer logo às oito da manhã, mas ele próprio achara cedo e por isso escolhera o fim da tarde.
Durante umas horas – na realidade foram apenas minutos, mas dos de muita demora – ouvi a sua biografia, o nome dos seus conhecidos, títulos de poemas e romances, os cargos que desempenham alguns dos seus conhecidos, o nome das figuras políticas que admira. Repetiu, sublinhando, a urgência de abancarmos um destes dias para discutirmos a fundo as suas ideias e analisarmos até que ponto elas e as minhas são convergentes.
Respondi-lhe que estava a chegar de viagem, tossi a confirmar a minha constipação, disse-lhe, o que era facto, que as minhas filhas tinham pouco antes chegado da Holanda e ainda mal lhes falara, repeti o ataque de tosse.
Encarou-me, atónito de que eu não compreendesse a urgência e a seriedade do seu intento. Rabiscou um número de telemóvel e prometeu que volta, despedindo-se com um "Temos muito que conversar!"