Prezado senhor Veltman,
As considerações que o senhor umas semanas atrás fazia no seu artigo «O Livro e
o Dinheiro» tiveram o condão de me avivar a memória. No decorrer de já longos
anos de actividade literária, reflectindo sobre a desmesura de certos êxitos
comerciais alheios e a modéstia do meu, também por vezes me ocorreu a pergunta
se não seria possível aplicar à promoção da venda dos livros as mesmas técnicas
de marketing que impulsionam os detergentes. E concluí que não.
O senhor acha que sim. Com um orçamento de dois milhões e umas quantas
condições acessórias – «um escritor (h/m) de boa figura, capaz de produzir
dichotes, bon-mots, escândalos e controvérsias, telegénico que baste» –
a coisa parece-lhe fazível.
Ao lê-lo não pude evitar o sorriso. Não pelos seus sérios argumentos, mas, como
referi acima, devido a uma velha recordação.
Quando em 1971 a venda do meu
segundo romance, mau grado as boas críticas, se mostrava confrangedora, o
editor português alvitrou que se eu lhe fornecesse 25 000 florins, garantia ele
tornar o livro um best-seller e fazer-me passar da anonimidade à fama
nacional. A fama inter-
nacional, essa requeria esforços mais vigorosos e somas mais avultadas. Aliás,
pessoalmente, ele era a favor de uma estratégia de passo a passo. Mandasse eu o
dinheiro.
O interessante é que não havia da parte do cavalheiro qualquer propósito
desonesto. Sonhador e confiante de que eu, na Holanda, facilmente faria cair 25
000 florins da árvore das patacas local, ele estava certo de ter na mão os
ingredientes da fórmula vencedora. Mas como eu não mostrasse entusiasmo nem
pudesse dispor da soma em questão, o plano não foi por diante. E o editor,
concluindo que me faltava tesura, que o meu modo de ser e a minha obra
apresentavam fracas perspectivas de futuro, avisadamente deixou de me editar.
Desde então divertem-me sobremodo os vários esquemas com que os editores, e
muitos escritores também, tentam despertar o favor do público para, juntamente
com as trombetas
da glória, poderem ouvir o delicioso som que produzem os maços de notas ao ser
contados.
Dos editores compreende-se tal desejo: são gente de negócio. Dos escritores, ao
fim e ao cabo também se compreende, pois quem não quereria ser famoso e rico?
Contudo, se se pode sentir alguma simpatia pela maneira arguta como os
primeiros tentam aumentar o seu ganho, os esforços de alguns dos segundos são
em geral confrangedores. Mas não é aqui, felizmente, o lugar para nos ocuparmos
de quem se esfalfa a seguir a moda literária do momento, ou busca renome
fazendo o relato dos seus pequeninos vícios e das suas lastimosas anomalias.
O que eu lhe queria contar, porque talvez o desconheça e no contexto do seu
artigo se torna saboroso, é o caso de um editor nova-iorquino dos anos 50. Tal
como o meu antigo editor português, também ele se convencera de que possuía a receita para o fabrico
de um best-seller, e assim mandou investigar quais os temas que mais
interessavam o povo americano.
Uma vez informado de que os seus compatriotas eram especialmente sensíveis à
religião, a Lincoln e aos cães, esfregou as mãos de contente. Título já ele
tinha: The Sunday Lincoln’s dog went to church – e encomendou um romance que o justificasse. O
resultado foi-lhe fatal.
Houvesse fórmula para o êxito, caro senhor Veltman, éramos todos famosos,
estávamos todos ricos: editores, escritores bons e maus, até talvez mesmo os
poetas que não sabem de marketing.
(in Mazagran – Quetzal, 2012)