“No dia 29 de Agosto de 1929 largava uma gôndola do Grand Hotel des Bains, no Lido, em direcção à pequena ilha San Michele, que desde o início do século XIX era o cemitério oficial da cidade de Veneza. O corpo na gôndola, que ia ser enterrado na parte reservada aos grego-ortodoxos, era o de Sergei Pavlovitch Diaghilev, um dos mais influentes pioneiros da Arte Moderna no século XX. Diaghilev tinha-se mantido activo na Europa Ocidental e Central durante vinte e três anos, conseguindo, nesse curto espaço de tempo, transformar o mundo da Dança, do Teatro, da Música e das Artes Plásticas de um modo sem precedente, e até hoje inigualado.
Na Rússia, a partir de 1896, desenvolvera uma actividade de crítico, organizador de exposições, editor e historiador da Arte. Pôs fim à estagnação de que a Arte na Rússia há anos sofria, defendeu na sua revista e em várias exposições o Simbolismo internacional, o Jugendstil , o Arts and Crafts Movement, o Neo-Nacionalismo russo, chamou a atenção para os aspectos esquecidos do passado artístico da Rússia. Criou na Europa uma companhia de Bailado, financiada particularmente, Ballets Russes,a qual actuaria nas mais famosas salas europeias e americanas, permanecendo ao longo de duas décadas a mais importante companhia de Dança do mundo.
Durante os primeiros anos de existência da sua companhia, tirando proveito da popularidade então corrente do exotismo eslavo e oriental, Diaghilev alcançou inacreditável êxito. Todavia, um pouco antes da Grande Guerra, começou a transformar Ballets Russes numa plataforma e laboratório para a vanguarda, chamando a si artistas como Picasso, Cocteau, Derain, Braque e Matisse, os futuristas, os cubistas e os surrealistas, e vanguardista russos como Larionov, Gontsharova e Naum Gabo.
Para tal correu enormes riscos pessoais e financeiros, suportando ainda a enorme pressão que sobre ele exerciam os seus íntimos. Mas o apoio de Ballets Russes foi ímpar para o prestígio e a divulgação da vanguarda artística europeia.
Tudo isso conseguiu Diaghilev sem possuir uma organização, nos primeiros dez anos mesmo sem uma sede, e sem garantias de subsídio. Vagabundeava pelo mundo com um lacaio e alguma bagagem, hospedando-se nos melhores hotéis, esquecendo por vezes de pagar a conta. Chamava a si a responsabilidade final da programação, dos contratos, da publicidade, do casting, mas sobretudo a parte criativa das produções, em muitas das quais se acha presente a influência do seu excepcional sentido artístico. Sofria em permanência de grandes problemas financeiros, achou-se em mais de uma ocasião à beira do abismo e, pelo menos uma vez, não evitou a queda. Mesmo assim era recebido pelos reis, pelo mais nobres dos aristocratas e pelos industriais mais poderosos."
Diaghilev, a life - Oxford University Press,