"— Com os anos, devíamos aprender que a vida prega sempre as mesmas partidas. Mas quem aprende? Quanto mais queremos esquecer, mais ela gosta de nos apanhar desprevenidos e trazer ao de cima o que julgávamos enterrado. Mas se assim tem de ser, assim seja. O que espero é que não leves a mal. Conheço-te do berço, sabes que te tenho amizade. Sabes também, mas disso estás perdoado, que foste impaciente comigo, ou te desgostaste, porque nalguns casos, sabendo que a não tinhas, não te dei razão. Águas passadas. O teu pai e eu compreendemos o que sofreste. Doeu-nos a ambos. A mim, por julgar que ia a tempo de acudir e falhei. A ele, por não ter podido evitá-lo.
O suicídio foi a sua porta de saída. Não era o homem insensível e rude que nele vias, mas um perfeccionista, sempre descontente, infeliz no casamento, torturado por sentimentos contraditórios, vivendo uma vida que não desejara e para a qual não fora feito. O destino. Aceita que não fale de mim próprio. Já paguei muitas faltas, e das que restam darei conta ao Criador, mas estava longe de esperar que, ainda em vida, chegasse a ocasião de ter de me explicar contigo. Julguei que poderia considerar o assunto enterrado, os tostões que ia dando ao «Biafra» eram, na verdade, uma forma de expiação. O teu pai e eu teríamos feito o possível por evitá-lo, como também estávamos certos de que nada te faria mudar de ideia. Mas nenhum de nós, mesmo tendo tu toda a razão do mundo, queríamos que sofresses a vida inteira o remorso de seres assassino. Ou que alguém, neste caso o «Biafra», com quem tínhamos falado antes de o encontrares, pudesse usar isso contra ti. Razão por que lhe pagámos para que liqui-
dasse o polícia e te entregasse o cadáver. Nunca nos disse se o fez ele ou se encomendou o serviço a alguém. Provavelmente aos árabes. Que só depois de tantos anos te tenha procurado, deve ter sido desespero. No que a teu pai e a mim respeita, talvez compreendas, e talvez perdoes, o termos-te deixado na ilusão de que te vingavas. Fizemo-lo para teu bem, era a única maneira."
in Mentiras & Diamantes - Quetal, 2013