Desde pequeno ensinaram-me a crer em
Deus, Jesus Cristo, na Virgem e nos santos. Falaram-me de mistérios, de
milagres, da Santíssima Trindade, do Sagrado Coração, de Lourdes e de Fátima.
Ao mesmo tempo ensinaram-me a rezar, o que durante anos fiz com o automatismo
da inocência.
Depois, sem de todo perder a fé, vivi longos períodos em que as relações com a
divindade se me tornaram nebulosas, tal um hábito perdido que vagamente se
recorda. Como houve também alturas em que, sem outra porta onde bater, a
aflição e o desespero me levaram a orar.
Hoje, com a calma que a idade empresta e a perspectiva do fim próximo, retorno
à candura inicial, mas agora despojada do que acho supérfluo.
Creio em Deus. O resto - Jesus, Virgem, profetas, santos, milagres e
mistérios... - parecem-me atributos, folclore, perturbam a minha concepção do
Criador Uno e Todo-Poderoso.
A Bíblia não a tenho por livro sagrado, sim como documento histórico.
Cristianismo, Budismo, Islam, essas e as mais religiões, olho-as com o respeito
que merecem os fenónemos de massa milenários, e a perplexidade de que continuem
a ser causa de tantos horrores. Os templos interessam-me pela sua arquitectura,
os rituais pelo seu colorido. E como na teologia não encontro certezas, somente
interpretações e suposições, vejo-me a sós com Deus e debato-me com o problema
da oração.
Os padre-nossos que dizia como um autómato, deixaram de satisfazer a minha vontade
de comunhão, e não resistem às dúvidas que me ponho, nem à análise do texto.
“Venha a nós o vosso reino” - mas haverá nele também o mal, a crueza e a
desigualdade que nos afligem neste em que estamos?
“Seja feita a vossa vontade” - então de nada adianta esforçar-me por um
objectivo, querer seja o que for, pedir seja o que for. Aceitar que a Sua
vontade seja feita parece contradição, pois desdenha das qualidades que Ele
próprio me deu para viver e sobreviver, faz de mim um títere, condena-me a um existir
fatalista.
Assim cheguei à fase em que as minhas orações, despidas do supérfluo, traduzem
apenas um sentimento de fé, comunhão e humildade. Creio em Deus Padre,
Todo-Poderoso. Digo-o de olhos fechados, e esforço-me por não desesperar da
minha insignificância e do vácuo que sinto.