Por vezes depende se nesse momento pomos freio ao sentido crítico, nos esforçamos para ter paciência ou, picados pela malícia, caímos no fingimento, o que em ocasiões assim pode ser tomado por uma forma de bondade.
O Pedrito, como carinhosamente lhe chama a mãe asturiana, esquecida que o miúdo vai a meio dos quarenta, ou talvez por continuar solteiro, não somente está certo e seguro do seu talento para a ficção, como prevê que na Netflix vão cair de cu, quando receberem a série que tem quase pronta e lhes vai propor.
Esse momento, contudo, não está para breve, pois além de que ainda faltam dois episódios tem, palavras suas, de blindar o enredo, de modo a que se possa saber o suficiente para aguçar a curiosidade, e ao mesmo tempo encobrir as passagens que criam o suspense e garantem o êxito.
De mim, padrinho, mas também porque ao contrário dos pais nunca zombei da sua ambição, quer ele à viva força que examine o escrito, e confirme a certeza que tem de que aquilo vai ser uma bomba.
Essa é a sua vontade, o busílis reside num pequeno mas delicado aspecto, pois embora nem por sombras duvide da minha honestidade, não pode correr o risco de que, se me confiar o texto eu me descuide, fale dele a terceiros, se descubra o enredo, e então vai tudo por água abaixo.
Repete que lhe custa, tem sincera pena, mas como de certeza compreendo, a sua situação é a de quem se encontra entre a espada e a parede.
Braços caídos, ar de desespero do puto que asneou, por um instante julgo que vai chorar, mas de seguida, a modos de tudo ou nada, tira do bolso uma pen que me mete na mão, faz um aceno desajeitado e afasta-se quase a correr.
O problema agora é meu, mas na idade a que cheguei o fingimento torna-se virtude. “Blinde” o Pedrito o enredo e mande-o depressa, senão é a Netflix quem perde.